Coloquei Um Retrovisor no Meu Caminho

 

Autor: Ecilda Pessoa de Lima.  

O que valeu a pena está destinado à eternidade. Quando fiz o Caminho de Santiago de Compostela em 2005, percebi que é raro olharmos para trás. De fato, notei que em nenhum momento tinha parado para olhar o que já havia percorrido.

Estava indo para Hontanas, envolvida pela beleza e energia do Caminho, quando deslumbrei uma parte que eu ainda iria percorrer. Marquei o ponto mais alto da estrada, e decidi que ao chegar lá iria olhar para trás.

Eu estava olhando o caminho ainda a progredir.

Lá em cima, parei e fiz como havia pensado, olhei para o Caminho já percorrido e me surpreendi com tanta beleza.

Percebi que vinha outro peregrino, e esperei que ele chegasse, para tirar uma foto minha olhando o caminho que eu havia acabado de percorrer.

Enquanto eu esperava para tirar essa foto, pude colocar um retrovisor na minha vida. Há muitas coisas maravilhosas para lembrar: cenários, lugares, alguns paradisíacos, outros curiosos, viagens, eventos que marcaram o tempo da minha vida, encontros com pessoas notáveis. Olhando pelo retrovisor, eu encontrei pedaços do meu corpo, e encontrei a alegria. Observo atentamente, e vejo coisas pequenas, que nem sempre foram notadas por outras pessoas, coisas que me deixam realizada e feliz, como:

– Ter bons amigos e amigas.

– De ter saúde para aproveitar o tempo livre.

– Ter boas pessoas que me ajudam e assessoram, como um bom porteiro que me entrega a correspondência certa, sem amassar, e uma ótima empregada que nunca falta e deixa tudo no lugar.

– Uma boa lavanderia, que não mancha minhas roupas.

– Ir a um posto de gasolina, ser bem atendida e servida sempre com um café expresso sem pedir.

– Ficar sem gasolina ou ter um pneu furado, mas ter sempre a ajuda de alguém que aproveita e leva a calota para dar uma “arrumadinha”. E nunca ter sido vítima de motoqueiros.

– Conversar com o espelho sem me preocupar com o tempo.

– Fazer as unhas nas terças-feiras e passar a semana com as mãos bonitas.

– De vez em quando usar baton vermelho e um jeans justinho, que marque bem o corpo.

– Uma vitrine cheia de sapatos lindos.

– Celulites discretas e cremes abençoados.

– Acordar as 5 horas e ir para a academia, e ainda ter vizinhos tolerantes que não se incomodam com o barulho do liquidificador a essa hora.

– Andar na praia de Jaconé das 7 às 9, tendo o sol como meu personal trainner, minhas vitaminas e a luz do meu caminhar.

– Gostar de um dia de chuva.

– Chorar um dilúvio quando tiver vontade, sem precisar explicar-se.

– A firmeza dos meus seios, que amamentaram minha filha. E a alegria de vê-la trilhar também o caminho do bem.

– Um ótimo cardiologista.
– Um oftalmologista que me ajuda a enxergar através das lentes de contato as maravilhas do mundo e me poupa o uso dos óculos.

– Poder ir a um restaurante ou lanchonete e pedir o que quiser sem medo da nutricionista, que confia em mim.

– Molhar o pão numa xícara de café com leite.

– Ouvir “Detalhes tão pequenos de nós dois”. Um bom chorinho, tango e valsa também.

– Fazer um risoto e ouvir a pergunta “por que você fez tão pouco?”

– Comprar uma revista do Mickey e ver uma história do Mancha Negra com a Madame Mim.

– Passear de mãos dadas nos Mercados Públicos das capitais do Brasil.

E no meio disso tudo eu achei tempo para virar namorada de novo, ir ao cinema, jantar fora, beijar na boca, dormir de mãos dadas, sentir um friozinho na barriga em pensar que meu amor está voltando de viagem.

Olhei pelo retrovisor e agradeço a Deus por tantas bençãos, tantas graças, tantas vitórias e tantas conquistas.
Porque a alegria só mora nas coisas simples.

E então, pude recomeçar, fascinando-me com o maravilhoso Caminho que eu ainda tinha a trilhar.

E, renovada e restaurada após olhar pelo retrovisor, pude seguir adiante.