Magias do Coração

Autor: Jairo Ferreira Machado

Numa casinha simples beira chão morava uma menina, já quase mocinha, seus olhos não o enganavam, e ela corria para o terreiro para vê-lo passar todas as vezes que as corujas crocitavam espantadas com a barulheira da carruagem, decerto ela já sabia, era o menino da carroça do leite, e de cima da boléia ele sorria, mas era um sorriso muito longe de ser notado, talvez ela sorrisse de lá também, parada no terreiro, até que ele sumisse detrás dos morros, era quando ele se entristecia, talvez ela se entristecesse também, só voltaria a vê-lo no dia seguinte, pela manhã, ele guiando a carroça do leite, orgulhoso de si, quando o coração dele batia forte, comovido com os encantos dela, e se punha em pé na boléia para enxergá-la por mais tempo antes dos morros se interporem entre sua visão e ela, aquela menina, ela era o motivo maior de ele passar sempre contente naquele caminho, olhando para o terreiro da morada, certo dia ela abanou-lhe a mão e ele retribuiu, foi quando seu coração galopou mais forte, e desde então cumprimentavam-se num aceno de mãos, depois ela recolhia-se para dentro de casa, como se não quisesse, andava um passo, olhava, andava outro passo, olhava, ele indo também, mas querendo ficar ali acenando pra ela, logo pensou, num domingo daqueles iria visitá-la, bastava pegar um desvio e estaria lá naquela casinha beira chão, certo dia ele adoeceu, o irmão é que foi levar o leite, pensou em mandá-lo acenar pra ela, mas teve receio, podia perdê-la para o irmão, logo, desistiu da idéia, remoeu a amargura no peito, já com saudades, no retorno do irmão perguntou se ele vira alguém no terreiro da morada, não, o mano respondeu já desconfiado, a casa sempre estava fechada, recuperado da saúde, no dia seguinte ele levou o leite e do caminho viu-a, acenou-lhe, ela retribuiu, ele agradeceu aos deuses, um encanto de menina, amava-a de todo o seu coração, quando já em casa, quis saber quem morava lá, nome do pai ou da mãe, não, ninguém mora lá, já morou algum dia, disseram, um casal com uma filha, já quase mocinha, falecida ali, e desde então os pais se foram, não, não pode ser, estão enganados, eu a vejo quando passo pelo caminho, ela me acena e eu aceno pra ela, que nada, é sua imaginação, a casa está vazia, nunca ninguém vai lá, e ele já se entristeceu, desencorajado, o coração palpitando triste no peito, entre a decepção e o assombro, não podia ser sua imaginação, ela existia, era um anjo de beleza, notava-lhe a cinturinha fina, via-a remexer as escadeiras ao andar, saltitante, e rodopiava a saia, acenava pra ele e depois se recolhia pra dentro de casa, iria lá, precisava falar com ela, aconselharam que não fosse, era alucinação, teimoso, assim mesmo foi, num domingo de tarde, parou ali na porteira, ô de casa, uma vez, duas vezes, e nada, nenhuma resposta, nenhum latido de cão, a coruja esconjurou longe, ele gritou mais alto, nada, pulou a porteira, chegou ao terreiro, a casa estava fechada, ninguém, muito menos a menina dos seus sonhos, suas pernas bambearam, sentiu arrepios no corpo, olhou lá para o alto do morro e viu um menino numa carroça, indo, que acenava lá para o terreiro onde agora ele estava, depois aquele menino subiu na boléia, e continuou acenando, insistentemente, até sumir atrás dos morros…

Mais tarde, alguém lhe disse, houve um menino, sim, há muito tempo atrás, que passava por aquele caminho, guiando sua carroça de leite…