Caminho de Santiago. Um Breve Histórico

Autor: Rudi Zen
Por volta do ano 814, um eremita chamado Pelayio encontrou o túmulo de Santiago, logo comunicando o fato ao bispo Teodomiro, que confirmou ser o túmulo do apóstolo que sentou-se a direita de Jesus, comeu do pão, bebeu o vinho, Tiago , Saint James , Giacomo ou Jacob. Teodomiro foi a Oviedo, capital da Astúria comunicar o fato ao rei Afonso II ”o casto”, que foi de imediato a Libre-Don para venerar as relíquias, tornando-se assim, o primeiro peregrino a Santiago de Compostela e proclamou o Locus Jacobi “lugar de Santiago”, construiu-se a pequena igreja e o mosteiro, formou-se a cidade de Santiago de Compostela.

O papa Leão XIII declarou ser convicção da igreja que as ossadas encontradas eram de Tiago Maior, não se tratando de um dogma de fé os crentes estão livres para crerem na lenda ou na realidade histórica.

Muitos e muitos homens e mulheres peregrinaram a Santiago enfrentando seus perigos e desconfortos, mas foram surgindo ao longo do caminho, hospedagens, hospitais, hospedarias cujas preocupações eram dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, tratar os feridos e consolar os aflitos.

Os peregrinos foram aumentando e este movimento de caminhantes em número muito significativo foi modificando a economia européia. Os camponeses precisavam produzir mais, criar mais para alimentar os alegres peregrinos que cresciam assustadoramente em seu número. Considerando que Cristo jamais pregou a tristeza e a solidão estes eram alegres e comunicativos. Os que iam a Santiago caminhavam num mesmo ritmo, pelo que se acompanhavam por muitos dias, forjando assim inesquecíveis amizades. A noite acendiam fogueiras e ao redor delas ou em torno de alguma mesa de hospedaria, conversavam e ouvia-se pasmas histórias de outros países, outras gentes, de outros povos, lugares e costumes. Ouvia-se músicas, cantavam e dançavam, comiam carne e bebiam canecas de bom vinho e pão retirado a pouco do forno.

E, assim, o Caminho de Santiago tomou forma e reconhecimento.

No final da Idade média a igreja foi cedendo lugar a burguesia e a espiritualidade ao mercado.

Em 1580 foi criada a igreja Protestante Anglicana (separada da católica) por Henrique VIII, investindo contra Roma, incitou o corsário Francis Drake a saquear a Igreja de Santiago de Compostela a fim de destruir a crença jacobea. O arcebispo São Clemente, alertado, ordenou que se dispersassem os tesouros para famílias de confiança e os restos de Santiago mudassem de lugar, para um local seguro e por prudência não havia referências. E assim ficaram perdidos por séculos. Então, não sabendo onde estaria o túmulo, por que ir a Santiago? A peregrinação decaiu a tal ponto que em 1867, dia 25 de julho (dia de Santiago) apenas 47 peregrinos visitaram a Igreja. Porém, em 1879, por esforços arqueológicos a ossada de Santiago foi novamente encontrada e depositada em uma urna de prata que se encontra sob o altar mor da Catedral.

Tornado público a toda cristandade pelo Papa Leão XIII, através da Bula Deus Onipotens o caminho foi renascendo pouco a pouco, mesmo com seus caminhos perdidos por séculos de esquecimento, hospitais e mosteiros decadentes.

Veio a grande guerra 1914 a 1918, devastou a Europa, impossível peregrinar. Em 1919 a Europa começava a engatinhar novamente, eis que em 1929 veio a grande crise que afundou a Europa no pântano de sua economia. De 1936 a 1939 a Espanha foi palco de misérias, nem se podia pensar em peregrinar, ainda em 1939 a Espanha continuava em guerra civil, vem a II grande guerra mundial envolvendo toda a Europa. Como peregrinar? Acabado este ciclo em 1945, 1946, um novo amanhecer para as crenças e para a inquietude humana. O Caminho de Santiago foi relembrado e começou a ser reescrito, a pé ou a cavalo, somente era realizado pelos espanhóis e seus vizinhos portugueses e franceses. Foram criadas diversas rotas, caminho Frances, Portugues, Aragones, Romana e outras tantas. O caminho Frances foi demarcado com suas setas amarelas de San Jean Pied Port a Santiago.

Tal como na Idade Média voltam a ser praticados os apoios aos peregrinos, no que diz respeito a parte física, hospitais e hospedarias e mais misericordiosa a parte espiritual. Se antes se fazia o caminho a pé por inexistência de condução, hoje se faz a pé por opção, aproximando-se pouco a pouco, passo a passo do lugar sagrado, uma experiência inesquecível e emocionante.

Peregrinar a Santiago está na moda, assim como os caminhos ecológicos ao ar livre, junto a natureza. Mas a Santiago só Deus e talvez o Apóstolo saibam o que vai na cabeça de quem empreende este desafio com todas suas espartanas truculências. Muitos começam por curiosidade, outros por turismo, outros por modismo, mas todos que chegam a Santiago completando o caminho a pé, lá chegam Peregrinos, com espírito de inquietude e busca, na sua verdadeira peregrinação interior, indubitavelmente a mais importante.

Ao finalizar o texto vimos quantos são os motivos que levam as pessoas a percorrer o Caminho de Santiago. E no caminho vão se revelando muitos e infinitos motivos que passo a passo, pouco a pouco, dia a dia, vão se tornando perceptíveis.

A distância, apreensão, receios e medos vão aguçando nossos sentidos, vão aflorando nossas emoções, vamos encontrando nas reentrâncias da nossa vida mistérios emocionais jamais pensados e jamais sentidos. Compreendemos o que são a tolerância, o respeito, a condescendência, a igualdade, numa demonstração de quão humildes são nossas necessidades e o imenso valor das pequenas coisas, que em verdade são grandes para a nossa paz. Quanto é importante aprender a esperar, a refletir, a ir devagar, esperar nossa vez, nossa hora, refletir sobre a fantástica história que reside a muitos séculos naqueles “pueblos” e caminhos repassados por tantos peregrinos. Devagar para que tudo possa ser visto,observado e avaliado no seu infinito valor e na história dos homens.

Todos os dias do Caminho de Santiago são emocionantes, por todos os motivos, alguns infinitamente pequenos, estes os mais reveladores, outros bem maiores e até surpreendentes pela sua desconhecida grandeza. No início a apreensão pela distância e ao final a conquista da chegada, a inevitável emoção que nos põe na condição de autênticos peregrinos.

Contudo, temos no Caminho também, a riquíssima parte histórica e cultural. E como uma figura preponderante, a Igreja Católica, sem dúvida a maior instituição que se reconhece com 1.115.000.000 batizados, a qual tomou para si a manutenção do patrimônio histórico e cultural, arcando com custos monumentais e serviços para que o caminho seja visitado e visto na sua essência. Muitas vezes na ânsia de cumprir etapas do caminho passamos despercebidos por seus valores históricos e artísticos.

Sem jamais poder ignorar o maior “Porquê”. Por que quase dois mil anos depois, mantemos viva e venerada a existência do apóstolo, que na Astúria pregou a palavra de Cristo e que pela incompreensão dos homens foi executado tendo como sepultura os Campos de Estrelas da Galícia? Até hoje Santiago Maior nos modifica, nos ensina e nos transforma quando a ele fazemos a peregrina visita.

Dados históricos extraídos do livro “Caminho Portugues de Santiago”.