No Caminho da Própria Sombra

Autor: Jairo Ferreira Machado

Olhava a própria sombra projetada no chão do caminho banhado de sol – era a silhueta de si mesmo – onde o seu corpo interceptava no trajeto o brilho do sol. A sombra caminhava. E nela se via, no entreter-se mágico, se perguntando, porque estava ali, levando nas costas uma pesada mochila, inda pior, sob um sol abrasador e não no seu climatizado ambiente de trabalho?

O que havia de tão mágico no caminho, que o fazia largar tudo, o conforto de sua cama, o alimento na hora certa, o convívio com a família, a rotina do dia a dia? Pura perda de tempo, imaginar: nunca encontraria uma resposta que pudesse um dia convencer alguém que aquilo era bom.

O suor corria-lhe pelo rosto, seus lábios tinham sede, ele, com mais sede ainda, de caminhar. Desviou o olhar da própria sombra quando ouviu o canto de um pássaro, ergueu a cabeça e lá estava o canoro pousado no galho de uma árvore. O brilho iridescente de suas penas refletido na luz dos seus olhos; captou para suas retinas as matizes da ave e para os seus ouvidos, o gorjeio, e ambos vieram dar no seu coração. Sorriu.

Mais um trecho de serra e logo se viu diante de uma cascata que desaguava no caminho. Saciou-se. Depois sentou sobre uma rocha olhando lá distante o vale, as águas de um rio sinuoso, sem pressa de chegar a lugar nenhum.

O mar de vegetação verde entre uma e outra árvore florida sobressaindo às demais, como mãos postas doando aos seus olhos um buquê de flores; podia sentir-lhes o perfume. O céu índigo entremeado de nuvens brancas andejas. O ruído próximo de uma cachoeira.

Novamente colocou a mochila nas costas e caminhou. Os olhos na sombra que caminhava a sua frente. A sombra! Ela nada perguntava, apenas caminhava.

Também ele, depois daqueles momentos ímpares, não se importou mais com respostas, pois tampouco precisaria delas. Foi em frente. A endorfina nadando em seu sangue, o rio manso, sinuoso, sem pressa de chegar a lugar nenhum, falando ao seu coração. Deslumbrado, pensava: é esta a magia da vida.

Agora, se alguém lhe perguntasse, por que caminhas, diria, com as palavras de Santo Agostinho: “Se ninguém me pergunta, eu sei. Mas se eu precisar explicar a alguém que me pergunte, eu não sei”.