Pai Nosso.

No texto de Lígia nossa homenagem a todos os pais:

Autor: Lígia Maria Knabben Becker

Herdei de meu pai um gosto enorme pelos livros e pela leitura. Não sei dizer precisamente a idade em que fui iniciada mas sempre soube que comecei a ler e escrever antes dos cinco anos de idade.

Lembro com a clareza que a memória afetiva nos preenche, das capas duras, das cores e cheiros dos meus primeiros livros, de Fábulas do Esopo e La Fontaine, Contos da Carochinha, Histórias do Arco da Velha, Contos das Mil e Uma Noites e até dos dicionários.

-Todos os dias é bom a gente aprender uma coisa nova, falava meu pai.

O conceito de uma palavra já seria suficiente aprendizado.

E eu adorava abrir o enorme dicionário de folhas finíssimas, o Lello Universal, livro pesado e mágico e cumprir a deliciosa tarefa. Dele eu desembrulhava termos desconhecidos cheios de significados sisudos que povoavam meu mundinho infantil vez ou outra por longo tempo.

Depois, adulta, veio o gosto pelo ensinar a gostar dos livros, da escrita, enfim, do repartir com meus alunos o mundo das letras.

Me recordo ainda de outro bem precioso que tive como herança desse mestre de todos os dias: o cultivo da espiritualidade como ferramenta disponível nas horas sombrias a trazer luz no mais profundo das nossas almas.

Orações ao Anjo-guardião foram as primeiras fórmulas ensinadas para o aprendizado de que temos sempre como companheiros espíritos destinados a nos abençoar e proteger dos perigos, conforme representação simbólica na cena pintada em um pequeno quadro pendurado ao lado da minha cama. Retratava o fim de um dia escuro de chuva, com raios, e duas crianças caminhando para casa sobre uma ponte perigosa em rio caudaloso, e a postos, o bravo Anjo da Guarda com suas enormes asas eternamente a proteger a inconsequência infantil.
A minha cabeceira, antes de dormir, aparecia sempre um anjo de carne e osso, a arrumar minhas cobertas. Apoio, proteção, carinho, bondade: como um anjo, era meu pai.

– Bença pai! Bença mãe!

Muitos anos escorreram na linha do tempo e neles a presença desse amigo e companheiro foi constante até pouco tempo quando a doença lhe tomou a lucidez e a vitalidade. Os papéis parecem que se inverteram.

Hoje sou eu quem arruma as cobertas em torno de seu corpo alquebrado e do seu rosto de olhar distante e secreto. A vida me proporciona agora a oportunidade de caminhar pela mesma ponte perigosa de outrora, levando junto à criança que fui, a criatura filha do pai, corajosa e confiante nos bens herdados do amor paternal, divino e humano.

Quando em prece, aproveito mais um ensinamento do pai terreno em relação ao Pai-Mãe divino.

Aprendi que a ideia convencional de um Deus-Pai que comparece como masculino deve ser expressada no contexto do patriarcado iniciado em épocas distantes que com seus códigos e estruturas transmitiram às instituições religiosas a tradução parcial de um Divino masculino.

Ficou-me assim, um Deus que não se divide como nos seres humanos, em homem ou mulher, e sim na Unidade que ultrapassa esse conceito.

Portanto, ao invocar o Deus-pai, traço a minha reverência ao arquétipo ancestral ligado a figura masculina mas também ao Deus-Mãe, do aconchego, ambos me revelando uma experiência mais completa e global do Divino: a Grande Consciência Cósmica, o Grande Criador, o Amor Absoluto.

PAI NOSSO QUE ESTÁS NO CÉU
E também o pai que está na Terra, o que me dá a oportunidade de exercitar o amor filial
SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME
E o nome que herdei do meu pai, preservando-o limpo e honrado
VENHA A NÓS O VOSSO REINO
A mim chegou em um lar simples, reino de um homem de bem
SEJA FEITA A VOSSA VONTADE
Tua vontade maior fez sempre parte do grupo familiar
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU
Uma vida em família com valores espirituais
O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE
O provedor das necessidades materiais também, trabalhador incansável e amoroso
PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS
Setecentos mil perdões pelas vezes em que te entristeci, meu pai
ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS AOS NOSSOS OFENSORES
É teu o ensinamento de não carregar as pedras das ofensas na minha sacola e compreender o ofensor para poder perdoar
NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÕES
Sempre um pai com ouvidos de ouvir, olhos de ver e boca indulgente
E LIVRA-NOS DE TODOS OS MALES
Atento em ser exemplo na direção a caminhos menos tortuosos
AMÉM
Assim seja.