O Que Se Ganha no Caminho

Autor: Vitor Idelfonso de Oliveira Thibes
Psicólogo e Caminhante
10/08/2006

Eis aí uma pergunta que merece uma reflexão criteriosa se não quisermos enveredar por
respostas superficiais e sem conteúdo. Vamos lá!

Primeiro vamos exercitar um pouco a imaginação. Imagine-se só, ou em um grupo, caminhando
em média trinta quilômetros por dia, sentindo cansaço, enchendo os pés de bolhas,
experimentando alguns momentos de compartilha e muitos outros de solidão. Por outro lado
imagine as belas paisagens que terá a oportunidade de contemplar, as deliciosas fontes nas
quais saciará a sede, os momentos de prazer onde dará boas risadas na companhia de outros
caminhantes.

Agora que você já imaginou isto, poderia responder a pergunta “O que se ganha no Caminho?”.
O que se ganha no Caminho é um patrimônio só seu, agregado à sua história e à sua
personalidade. É um patrimônio nitidamente individual, sobre o qual pode-se teorizar um
pouco, mas sem a pretensão de obter uma resposta definitiva. O que se ganha no Caminho é
um crescimento pessoal, um amadurecimento, uma oportunidade de ver o mundo de uma
forma diferente daquela vista no dia a dia, quando os afazeres, a família, os amigos e negócios
acabam por ocupar as mentes e corações.

Mas vamos lá! Como que se dá este crescimento? Em primeiro lugar, depara-se com a
imperiosa necessidade de tomar urgentes decisões, de fazer escolhas, de arriscar. A cada
momento é preciso decidir solitariamente qual o próximo passo, pois cada caminhante tem o
seu próprio ritmo e é quase que impossível haver um caminhar cadenciado de forma que o
grupo ande sempre junto. Tem-se que decidir, escolher com quem quer compartilhar a
caminhada, ou se quer andar só. Arrisca-se a pegar trilhas erradas, a ter que pedir ajuda a
pessoas que não conhece e, principalmente, arriscar a mostrar suas fraquezas, fragilidades, a
tirar a fantasia de “Super-Homem” ou “Mulher-Maravilha”.

Em segundo lugar, tem-se que aprender a lidar com as frustrações. Não se frustra no Caminho?
Mas é claro que se frustra. E como! A cada momento as expectativas são explodidas como se
estivessem sendo dinamitadas por mísseis de alto poder de fogo. Espera-se encontrar muito
prazer, mas o que na realidade acontece é que junto vem a dor. Dor no corpo, nos pés, das
bolhas, das quedas, sem contar a dor da solidão, rejeição. Mas tem-se que lidar com estas
frustrações, visto que as alternativas existentes são caminhar ou……..caminhar; pois ficar
chorando as frustrações só resultará em atrasos na caminhada e no acúmulo de maiores dores
do que as já sentidas.

Em terceiro lugar, há o aprendizado quanto ao respeito aos limites. Aos individuais e dos
outros, aos limites físicos e psicológicos. Faz-se necessário o rigoroso respeito aos limites do corpo, pois se não houver este respeito, certamente ocorrerá à interrupção da Caminhada por
exaustão ou fraturas. Há que se respeitar os limites psicológicos, não permitindo a invasão de
seu espaço pessoal para agradar quem quer que seja, é necessário que se deixe bem claro
quem fará parte, e até onde, da Caminhada de cada um. Isto é fácil? É claro que não, pois
muitas vezes deixa-se invadir para agradar o outro, para fazer o papel de “bonzinho”, e o que
se acaba ganhando é stress e mau humor. Mas há o outro lado da moeda, que é a necessidade
de respeitar o limite dos outros, sob pena de se transformar numa pessoa chata, que acaba por
ser excluída do grupo. Pessoas que gostem de conviver com “chatos” por longos períodos não
estão disponíveis por aí.

Em quarto lugar, deve-se exercitar uma comunicação clara e objetiva. Ao caminhar depara-se
com pessoas vindas dos mais diversos locais, trazendo consigo as mais diversas histórias.
Pessoas oriundas de culturas diferentes e com diferentes modos de se comunicar. Assim, se a
comunicação não for clara e objetiva, o terreno para maus entendidos e desavenças está
pronto para ser semeado. E o que é uma comunicação clara? “Quero isto”, “Não quero isto”,
“Isto eu posso fazer”, “Isto eu não estou disposto a fazer”. Quando se exercita este tipo de
comunicação, sente-se entendido e também entende o outro. Isto é agradável? Nem sempre,
pois desde criança acostuma-se a manipular o outro para que faça aquilo que se quer, sem
necessidade de se responsabilizar por isto. Mas na Caminhada tem-se a grande oportunidade
de exercitar uma boa comunicação, até para se evitar situações constrangedoras.

Em quinto lugar exercita-se o aprendizado do desapego. Aprende a se livrar daquilo que é
supérfluo, mesmo que se goste muito. Isto se dá, principalmente, pela necessidade de se livrar
do peso excessivo da mochila. E como é difícil livrar-se de algo que há tanto tempo é carregado,
e com tanto carinho. Mas é preciso que se livre, sob o risco de sucumbir pelo elevado peso da
carga, e não conseguir alcançar o objetivo, que é uma caminhada leve, com a chegada ao ponto
final.

Sexto ganho muito importante é a necessidade de lidar com as diferenças, tanto as suas como
às dos demais. Explico: no Caminho há a necessidade de conviver com as mais diferentes
pessoas e situações. E tem-se que conviver com todos, pois cada um tem o seu objetivo e sua
meta, além do seu jeito próprio de ser no mundo e de nele expressar-se. E urge que se conviva
harmoniosamente, desenvolvendo um profundo respeito pelo outro e pelo seu modo de ser. Se
não souber lidar com as diferenças é certo que terá problemas, pois a qualquer momento
encontrá alguém com quem precisa conviver, nem que seja por um curto espaço de tempo. E
com suas diferenças? Estas então são as mais importantes, pois estarão junto consigo nas vinte
e quatro horas do dia.

Em sétimo lugar deve-se falar do maior de todos os aprendizados: lidar com as perdas. A todo o
momento perde-se algo na Caminhada.Um objeto que desaparece, um sol que é encoberto por
uma nuvem, uma unha que cai, uma oportunidade de tirar uma foto que é desperdiçada. E a
maior delas? Perder a companhia daqueles que compartilharam as alegrias e tristezas do
caminho. E na vida, como no Caminho, as pessoas entram e saem a todo o momento. E isto doe um bocado, pois se quer levar consigo os tesouros que encontra, mas…………….como? Os
tesouros devem ser guardados no coração e é lá que devem ficar. Quando se reencontrar com
os companheiros de caminhada será ótimo, mas quando distantes estiverem deve-se lembrar
deles com carinho e gratidão, pois a vida permitiu que juntos se caminhasse por um pequeno
trecho e também permite que juntos estejam a cada dia através da lembrança.

Em oitavo lugar abre-se o espaço para a espontaneidade. Libertos, mesmo que
temporariamente, dos papéis sociais (pais, professores, dirigentes, esposo/a, empregados,
patrões, etc), pode-se permitir ser visto por inteiro, mostrando as fraquezas, as limitações, os
talentos, as habilidades. Vê-se que é possível dar risadas de si mesmo e que o mundo não vai
acabar por isto, que se pode cometer erros e que nem por isto a caminhada vai acabar, pode-se
permitir a dar gostosas gargalhadas ou chorar de emoção por ter superado um grande
obstáculo e que isto não faz cair pedaços. Pode-se experimentar contatar com aquela criança
que habita dentro de si, brincalhona e sensível, e passar bons momentos em companhia das
crianças internas dos outros caminhantes.

Enfim, o que realmente ganha-se é a HUMILDADE. A humildade adquirida ao deparar-se com o
Grande Mistério que é a natureza, com suas nuances e diferenças, as quais se repetem no ser
humano. Consegue-se perceber, finalmente, a presença da força e da fragilidade dentro de
cada coração, e com esta vivência ocorre uma transformação interna no caminhante
acarretando uma mudança em sua visão de mundo. E quando há uma mudança na visão de
mundo, nos transformamos, e o mundo se transforma conosco.