Olhares nos Caminhos de Santiago de Compostela

Catarina Maria Rüdiger

Olhares encantam pessoas por mais de mil anos no Caminho de Santiago de Compostela. A cada dia aumenta mais o número de peregrinos e, hoje crescente também, é o número de jovens que para lá acorrem. Mais inexplicável ainda é repeti-lo mais e mais vezes, como eu mesma estou a repetir. São muitos os olhares peregrinos pelo Caminho, são muitas as imagens que se descortinam a todo momento e que ficam gravadas na memória e nos registros fotográficos para futuros olhares, novos sentimentos e emoções.

É uma experiência valiosa estar no Caminho sozinho, em grupo com pessoas conhecidas ou com pessoas que lá se conhece. Mesmo com muitos peregrinos ao longo do percurso de cada dia, em dado momento estamos a sós, e, assim a reflexão aflora, a consciência se expande, a mente se libera no mesmo espaço onde milhões de peregrinos por ali passaram, desde a Idade Média, com seus olhares de renovação de horizontes. No Caminho nos deparamos com a energia de milhões e milhões de passos de fé, de gratidão, de busca religiosa, de pedidos, de promessas, de desafio físico, não importa o motivo. Temos a oportunidade de contato com pessoas de diversos países, com o místico, o histórico, o cultural, o medieval, as lendas, a natureza, uma forma diferente de fazer turismo e muito mais …

Aproveito muitos momentos para meditação caminhando, na certeza de que estou aprimorando o equilíbrio da mente, a saúde do corpo, o controle das emoções, o autoconhecimento, a lucidez, a serenidade e o foco, enfim; recarrego meu interior. Importante também é captar energia do céu e da terra naquele ambiente de natureza exuberante e de silêncio, em muitos momentos, nos quais podemos manter a mente concentrada sobre nossa essência.

Tudo isto é um importante e grande encontro pessoal, um mergulho na simplicidade, na fraternidade e na solidariedade, nesta fascinante e inesquecível viagem de aprendizado que tem como meta o Caminho e a Catedral de Santiago, onde está a urna de prata com os restos mortais do Apóstolo, segundo a Igreja. Quem viveu o verdadeiro espírito do Caminho é que sabe a importância do caminhar, do chegar, do seguir as setas amarelas, as vieiras, os marcos e ter a certeza de que, após o Caminho, o Caminho continua e está em qualquer lugar.

Foram muitos os olhares pelos caminhos de Santiago de Compostela, nas sete rotas que se abriram para mim até o momento. O Francês em 2003, o Aragonês em 2005, o Português em 2012 e no ano de 2015, a oportunidade de realizar três rotas: o Caminho Inglês, em junho, aproveitando a oportunidade, após a participação no I Encontro Mundial em Galícia de Associações de Amigos e, em setembro e outubro; o Caminho do Norte e o Caminho Francês a partir de O Cebreiro, sendo este parte da conclusão do curso sobre a História do Caminho e das Peregrinações, na Universidade de Santiago de Compostela. Foram oportunidades imperdíveis em 2015. E, em 2016, novamente no Caminho Português da Costa e na Variante Espiritual, onde confirmei mais uma experiência e convívio no universo peregrino. Reafirmo que o Caminho de Santiago me toca a alma, o espírito, o companheirismo, o desapego, a fraternidade, a solidariedade, e muito mais, a simplicidade, a reflexão, a meditação, a contemplação, a percepção e a consciência, elementos fundamentais para que possa viver melhor, seguindo três aspectos importantes: contato com o Divino, com os outros e comigo mesma.

Nas diversas rotas do Caminho de Santiago, convivemos com muita natureza, paisagens cheias de contrastes com montanhas, campos, pedras, mar, praias, cachoeiras, rios, pontes, bosques, canto de pássaros, subidas, descidas, o cotidiano dos moradores, os cheiros, as frutas, as flores, a gastronomia, os sons da água, do vento, o canto dos pássaros, moinhos, sombra, sol, calor, frio, chuva, neve, neblina, dor, cansaço, longas e curtas etapas, o ¡Buen Camino! entre os peregrinos, pueblos, cidades, lendas, arquitetura, igrejas, catedrais, obras de arte, cruzeiros…

Algo que chamou minha atenção neste ano de 2016, na Variante Espiritual após o Caminho Português da Costa foi constatar as informações da única Via Crucis marítimo-fluvial do mundo, os 17 cruzeiros centenários instalados neste percurso aquático, destacando um, formado por um trio, que representa o apóstolo Tiago ao centro e nas laterais seus dois discípulos. Esta rota está sendo considerada a origem de todos os caminhos, pois no ano 44 d.C., segundo a lenda, nestas águas que passamos no mar de Arousa e rio Ulla, entre Vilanova de Arousa e Pontecesures, os discípulos de São Tiago, Teodoro e Atanásio, chegaram de barco com o corpo do Apóstolo em Iria Flávia, local onde o apóstolo Tiago pregou pela primeira vez na Espanha e, hoje, faz parte de Padrón. Os discípulos depositaram os restos mortais do Apóstolo no monte Libredón, onde hoje está a Catedral de Santiago de Compostela.

Os caminhos não se repetem. Mesmo que seja a mesma rota, podemos fazer as paradas em lugares diferentes, os peregrinos são outros, encontramos outras histórias, outros amigos, outro grupo, outro clima, outras dificuldades e muito mais. Por tudo isso, confirmo que meus dias nos caminhos são momentos especiais e sempre envio boas energias a todos, família, amigos, grupos, instituições em que atuo e a todas as pessoas/anjos que encontramos pelo caminho. Os anjos estão presentes. Aparecem no momento certo.

Os anjos existem? E no Caminho? Para mim, existem, sim. Ajudam-nos no percurso de nossa vida sempre com amor incondicional. E no Caminho encontrei também muitos anjos/pessoas que chegavam no momento certo para ajudar em algo. Acreditar ou não que sejam anjos depende de cada um e do que escolhemos acreditar. Muitos anjos e anjos/pessoas no meu primeiro Caminho, para o qual fui com muita expectativa, dois anjos/amigos e outros por todo o Caminho; no Caminho Aragonês, quando iria ficar sozinha e com problema de saúde um anjo/amiga me ajudou; um anjo/pessoa quando, no escuro nos indicou a rota certa no Caminho Português; a dona do albergue no Caminho do Norte, que deixou seu estabelecimento lotado num sábado à noite para encontrar outro local disponível, lembrando também a moça de bicicleta que encontramos e queria nos dar pouso em sua casa, nossos anjos/pessoas. A mulher que me ofereceu água fresca na hora certa, quando a minha já tinha acabado e não havia onde comprar. Os dois anjos/amigas também no Caminho do Norte que alvoraçaram os peregrinos para me encontrar quando me desviei da rota. Meus anjos pessoais e meu apito que me livraram de três grandes cachorros. E outros anjos/pessoas que encontro no dia a dia do Caminho e pelos caminhos da vida.

A melhor maneira de estabelecer contato com nossos anjos é falando com eles, agradecendo sua ajuda, e com eles mantendo uma ligação e vibração amorosa. Reporto-me ainda à oração de infância em casa e na escola que fazia diariamente “Meu anjo da guarda, meu bom amiguinho, guiai-me sempre pelo bom caminho”. E assim, como crianças, já mantemos conexão com nossos anjos. Temos que confiar na energia que os anjos nos proporcionam, a energia de nosso próprio interior. Que os anjos nos protejam, nos mostrem sempre o melhor caminho, como seres espirituais que somos.

Ao decidir peregrinar pelos Caminhos de Santiago de Compostela, estamos num espaço de forte energia para ouvir a voz interior e vivenciar esta porta que se abre para nossas reflexões, nossas forças criativas e para a saúde para nosso corpo, mente e espírito. E, se realmente acreditamos, os anjos nos acompanham, nos cobrem de proteção e nos dão a mão a fim de que obstáculos não nos causem danos. Com esta confiança vivemos nosso caminho e celebramos a vida em toda a sua plenitude.

Após todos os olhares e todos os passos pelos caminhos, a chegada na histórica e artística Catedral de Santiago de Compostela é sempre um momento de emoção, gratidão pela vida e por todo o esforço da caminhada, transformando a peregrinação em oração, especialmente na missa do peregrino com a mensagem do celebrante aos peregrinos e antes da bênção final, quando o Botafumero, o turíbulo gigante, é lançado de um lado a outro da Catedral, que fica impregnada do aroma de incenso, relembrando sua missão higiênica na Idade Média. Ao mesmo tempo, o peregrino ouve o hino a São Tiago acompanhado pelo belíssimo som do órgão. A cada caminhada repito a visita dos espaços imperdíveis da Catedral que inclui a intenção do abraço no Apóstolo que leva os peregrinos ao altar, à urna com seus restos mortais, um espaço de recolhimento, ao Pórtico da Glória, às capelas, aos altares, às imagens, ao órgão, à Porta Santa, que se abre somente nos Anos Santos e que estava aberta por ser 2016 o Ano da Misericórdia, às torres, à Praça do Obradoiro, ao museu e ao telhado e muitos detalhes a serem observados nesta imponente obra de arte. Lembremos que a cidade respira história e são muitas as visitas que um apreciador de arte e turismo pode fazer.

Fé, devoção, força e espiritualidade se manifestam em cada peregrino como uma necessidade do “conhece-te a ti mesmo”, uma busca de paz interior, momentos de contemplação e, com os olhos da alma, a confirmação da presença de um poder superior, do divino em qualquer lugar que esteja e no caminho por onde trilham e trilharam milhões de peregrinos das mais diversas crenças do mundo inteiro.

Experiência e Olhares inesquecíveis!