Uma Caminhada Surpresa

Mais uma vez o Guido Becker conseguiu reunir 57 “ingnorantes” como diz ele, dispostos a trocarem o conforto do lar ou o agito do carnaval de Floripa ou ainda um final de semana na praia por um imponderável programa.

Seis e quatorze da madrugada daquele sábado, dezoito de fevereiro, já estavam todos reunidos, alegres e curiosos como crianças para embarcarem no ônibus rumo à colônia de férias. Mas, não eram apenas crianças. Mais do que crianças… pessoas adultas carregadas de energia e vitalidade em busca de momentos felizes com seus pares, amigos caminhantes.

Assim, embarcaram rumo ao local incerto e não sabido. Bom, incerto menos para o Guido e seu fiel escudeiro Cenoer, que de véspera já haviam preparado toda a logística e surpresas do caminho.

O ônibus tomou o rumo da serra catarinense e seus ocupantes começaram a conjeturar: Será Urubici? Lages? E muitos outros lugares. Mas, foi no centro da bucólica cidade de Rancho Queimado que foram convidados a abandonarem o veículo e começarem a caminhada.

Sob um sol escaldante, de cozinhar os miolos, se alguém ali os tivesse, os adolescentes sessentões começaram a subir a estreita estrada rural pavimentada com cascalho, ladeada por floridas hortênsias de vários matizes de azul, rumo ao desconhecido.

Após três horas de caminhada, muita conversa, risadas e falatório geral, chegaram à localidade de Rancho de Taboa, mais precisamente na Pousada Perardi. O grupo já era aguardado pelo proprietário que junto com o Guido incentivavam o uso da piscina – se é que precisava de incentivo além do calor. Em seguida foi servido o almoço tipo caseiro acompanhado de cachaça da terra, cerveja e refrigerantes. As brincadeiras se sucederam com risos e muita descontração.

Em seguida, sobrecarregados com o peso da gula, continuaram pela sinuosa estrada que mais parecia uma pintura saída da inspiração do poeta e gravada em tela por hábeis mãos. Mas para os pés peregrinos o sobe e desce do tortuoso caminho era real e o calor refletido nas pedras do caminho parecia cada vez mais intenso, destilando todo líquido corpóreo pelos poros abertos, na tentativa de refrigerar a pele ressequida pelo tempo mas fortalecida pelo constante caminhar.

Ah! Que visão linda. Ao longe surge majestosa a torre da igreja de Taquaras. As ponteiras de aço dos bastões de caminhada vibraram com mais intensidade tirando fagulhas nas pedras ao tocarem o solo escaldante. O ritmo aumentava cada vez mais na tentativa de chegar o mais rápido em busca da água que já não se tinha, da sombra, do descanso que era imperioso para as pernas e joelhos.

Atravessando uma pequena ponte sobre um rio de águas rápidas e leito pedregoso chega-se à localidade de Taquaras com suas casinhas coloridas de jardins floridos e alinhadas ao longo da estrada lajotada, tendo à direita, a antiga casa de inverno, transformada em museu, do ex- governador Hercílio Luz. Com seu mobiliário de época, objetos pessoais do governador o bem conservado edifício remete os caminhantes aos tempos de glória daquele que foi uma das figuras mais importante de Santa Catarina. Mas, ainda faltavam seis quilômetros para chegarem à Pousada Pinheiral, destino final daquele dia. Três quilômetros de estrada pavimentada com lajotas e decorada com hortênsias de flores gigantes e depois mais três quilômetros de chão pedregoso e árido, sem sombra.

Mas, entre estes dois trechos, Deus colocou uma cachoeira para aplacar o calor e refrescar os pés cansados dos caminhantes. Muitos dos quais, já exaustos, optaram pelo transporte na caminhonete boiadeira do “Dico”, proprietário da Pousada Pinheiral, conhecido do grupo desde 2004, quando lá estiveram e registrado em foto que ele orgulhosamente exibe com destaque no seu restaurante.

Aos que caminharam até o final, lá chegando já tinham seus aposentos definidos e devidamente preparados. Alguns casais ficaram na estrebaria, outros na casa grande, outros em suítes matrimoniais e aos homens solitários foi reservada uma casinha amarela na beira de um pequeno lago com gansos e biguás distante mil e quinhentos metros. À noite o farto jantar festivo com dança e muita alegria e um bom vinho chileno.

No dia seguinte, domingo, após o café da manhã, a caminhada foi de 20 km iniciando-se no Pórtico de Taquaras, no Alto da boa Vista até o chamado Mato Francês. Apesar de grande parte do trecho ser povoado por horticultores que mesmo no domingo fazem a colheita de verduras, legumes e morangos, não havia um só bar aberto. O calor intenso fazia com que a água fosse consumida rapidamente. Atendendo o apelo do grupo dianteiro, uma alma caridosa que batia papo a beira da estrada, consentiu abrir seu pequeno comercio, escondido nos fundos de uma casa de madeira. Foi logo avisando que não tinha água engarrafada, mas só refrigerante e cerveja litrão. Assim, muitos foram “obrigados” a beberem cerveja gelada para aplacarem a sede. Até carteado rolou no pequeno e escuro recinto. Ali, o Beto (the bomb´s man), descobriu que uma caminhante toma um dramim por dia e concluiu apressadamente, e errado é claro, que era pra não se enjoar do marido. Que maldade! O almoço foi no restaurante Galpão Tropeiro. Com comida típica da serra, o restaurante de família tradicional é referência do local.

Após o almoço e um breve descanso chega a hora de enfrentar novamente o calor feroz e a subida até a pousada. Ainda bem que tem uma cachoeira no caminho e um banho refrescante dá o “up grade” para chegarem ao destino final.

À noite, o baile à fantasia foi um sucesso, tendo a frente o “Bloco da Estrebaria”. Teve de tudo: Pirata tatuado, melindrosas, oncinhas, cowboy, comandante de navio, jamaicanos travados, travecos, mascarados e outros mais. Aquele tímido, no seu canto quietinho, só observando. Mas, ao lhe colocarem uma máscara no rosto, percebeu que poderia ser quem ele quisesse que não seria reconhecido … Aí, ninguém o segurou mais. Caiu na farra. A animação foi total. No dia seguinte, ainda jurava que nem estivera ali. Os funcionários da pousada se perguntavam: Como pode aquela turma de senhores e senhoras, depois de caminhar todo o dia sob aquele sol, ainda tinham pique para pular e cantar daquele jeito? Coisa de Peregrino.

No dia seguinte, mais um dia de caminhada pelas estradinhas serpenteantes de Rancho Queimado no sobe e desce constante tendo na frente o incansável guia Guido e mais uma de suas gostosas surpresas. Desta feita, o almoço, transformado em mais uma festa, foi na Fazenda Pai Germano. Onde também teve o momento de emoção ao ser lembrado dos proprietários, já falecidos e que eram grandes festeiros. Dona Selma, irmã do Guido Becker, que por duas vezes recebeu os Amigos do Caminho naquele local com tanto carinho, foi lembrada sob lágrimas de quem a conheceu.

No final da tarde, todos estavam de volta à pousada, para o breve descanso e o recomeço da festa noturna. Agora foi a vez do “Bloco das Virgens” travestidas. Os presentes tentavam reconhecer naquelas caricaturas a figura do dentista, do professor universitário, do militar, do médico, do advogado, do industrial. Todos senhores responsáveis. Mas em vão. Só se podia ver a alegria, a descontração e a confraternização entre os Amigos do Caminho. A ordem era se divertir e cantar. Fantástico! Como pôde aquelas amigas fazerem tamanha transformação naqueles homens e em tão pouco tempo e com tão pouco recurso? Criatividade.

Na manhã seguinte, todos estavam prontos para as atividades do dia: cavalgadas, caminhadas até a linda cachoeira com mais de 20 metros de altura, despejando água gelada e revigorante no pequeno lago onde como crianças brincaram até a hora do almoço.

Esta foi mais uma caminhada surpresa do Guido Becker com o apoio da ACACSC e a participação dos associados.

Por José Luiz Ferreira