Dia do Currupira

Autor: Jairo Ferreira Machado

julho/2011

Era véspera do dia de Santiago e seria para comemorar na Lagoa da Conceição; seria…

A caminhada começou no trapiche da beira mar as 7:30 horas, numa manhã nublada, passando pelo Armazém Vieira onde se somaram a nós mais peregrinos e subimos ali na segunda rua depois do Armazém, no sentido morro, os joelhos batendo nos queixos, tanto íngreme era o caminho que mais tarde virou trilha, e algumas horas depois, transformou-se em desespero – estávamos perdidos, rodeados por matos e um intenso nevoeiro.

Na reza de praxe, naquela manhã, esquecemos de pedir proteção ao apóstolo, e esse, naturalmente, estava ressonando o sono gostoso de sábado; não acompanharia doido nenhum, pelos matos. Uns mais à frente, outros pelo meio, e alguns ficando na rabada. De nevoeiro à chuva mansa, de erradas a acertos, come-se uma banana aqui, chupa uma mexerica acolá, um tombo cá, tudo fazia parte – peregrino que se preza não reclama, levanta-se e vai em frente.

Mas não foi bem assim, porque em todo caminho há uma encruzilhada, uma bifurcação, e uma discussão – é pra direita, é pra esquerda, olha aí gente, as cascas de banana, deixaram
de aviso, e a seta no chão, é pra cá; não é não; então, seja o que Deus quiser, já que Santiago está dormindo – vamos pra direita.

De repente acaba a trilha, caça daqui, caça dali, e vem o Capitão do mato, já que o Malagueta não comparecera, rastreia pra esquerda, se enfia pra direita, achei, é aqui gente! Venham comigo, e na falta de opção, ia-se. Essa trilha vai dar aonde, certeza de nada se tem, quer vim… vem, tropeça, se enrosca no cipó, segura-se na vara de espinho, balanceia pra cá, verga pra lá, bundeia, as mulheres caindo no macio, e vamos em frente – morro abaixo todo santo ajuda!

Vozes. Quem seria? Mais um grupo perdido – com cara de gato que comeu passarinho -, não fomos nós que erramos, mas quem deixou lá atrás as tais cascas de bananas?, alguém queria saber, mas o que importa agora, vamos voltar, alguém liga lá no restaurante e manda suspender as anchovas, as tainhas; retornamos ao início, vamos pra casa almoçar.

Naquele instante, alguém enxergou longe a Ressacada, isto é brincadeira de mal gosto, alguém ralhou, não devíamos estar às beiras da Lagoa da Conceição…

O capitão do mato tocou em frente, senhor de si; cantarolavam de alegria, feitos os sete anões, que eram mais de vinte, trilha afora, senhoras, moças, moçoilos, e outros maduros metidos a sabichões. Logo, logo estamos em casa, que nada, demos na cabana de um ermitão: não é por aqui não seu moço!, a tal da Lagoa da Conceição. E essa trilha; sei aonde isso aqui vai dá não! Mas levo vocês até a trilha lá atrás, tem uma bifurcação, aonde levei outros, assim, perdidos também como vocês.

Pois então, desçam por aqui, atravessem um riozinho, dobram a direita que dentro de uma hora e tanta, vão dar no Campeche; e ficou ali com aquela cara de gozo, vocês estão é fodidos, e lá fomos nós, tentando descobrir a trilha, despencando cafundó abaixo, o mais em pé, já havia caído cinco vezes, outro quase se enforcou no cipó; dona senhora descia arrastando-se, estragando as calças, mais caí não caio, dizia.

Notórios eram os choramingos: nunca mais vou acompanhar cabeça de gente dessa Associação, o mais certo do tino, já anda caduco.

Íamos quando vimos outros voltando, a trilha escafedeu-se, deu em nada; que nada, rapaz, voltar jamais; qual o quê senhor, aí nem lagarto passa, o meu gps endoidou, está escurecendo; são suas vistas, o nevoeiro, e mais o desespero, vou rastejar primeiro, ver o que há do outro lado, dando certo, eu grito! Gritou… Venha cambada, que aqui na frente há rastros de gente, ou seriam de bicho do mato, vamos seguir a descida do riacho, que vai dar num rio e depois no mar. A trilha indo pra esquerda e o diacho do riacho pra direita, aquele friozinho na barriga, do ruído do riacho sumindo aos poucos.

Queria voltar lá pra cima e matar o ermitão. Mas um clarãozinho de luz ia-se aos poucos apagando a escuridão, ouviram-se vozes, até uma música sonora, graças a Deus e Nossa Senhora, Santiago abriu a janela e viu que era dia, veio socorrer, pensou, sorriu, mas quem vinha atrás avisou: seu celular tá tocando música senhor, a pilha vai acabar; desculpa a vergonha que passei…, acionara o puto do celular, quando caíra de bunda na lama, a música do seu gosto, agora virava desgosto, pois não era música de casa por ali, porra nenhuma!

Lá pelo décimo tombo ouviu vozes de verdade, era do riacho, que tinha ido dar umas voltas pelas cafuas do mato, e voltava ali, para dizer, é por aqui seus malucos. Dois guris vieram de bicicleta, olhavam espantando a sujeira e o nosso jeito maltrapilho, perguntam: tem mais algum doido dentro desse mato, seu moco?

Foi o dia em que não era o Dia de Santiago, era véspera, e o currupira estava de plantão, enraivecido de uma figa, pois o Avaí tinha levado uma sova, e dizia – na minha mata, ninguém canta de Capitão!