Apito do Trem

Autor: Jairo Ferreira Machado

Glamorosa como sempre, ela sorriu-lhe os lábios de batom, ou mesmo o sorriso lhe fosse nato, apenas que naquela hora as dádivas de sua vida se abrissem alvissareiras, sabendo que ele vinha pra ficar.

Ao menos naquela noite: como costumava vir, na passagem por ali.

Correu e atirou-se aos braços dele, aos abraços, enganchando as pernas a sua cintura. E gananciosa, beijou-lhe os lábios, tanto quanto os seus eram engolidos pelos dele. Intrometiam-se dentro um do outro, como num só. Ela cheirava a sândalo e cio. Ele, a suor e pó.

O cachorrinho de estimação, resmungão, ciumento, correu pra debaixo da cama – perdia a sua estimada perfumosa companhia, naquela noite – mas tampouco dormiria o pobre coitado, dado às circunstâncias daquele frenesi amoroso – a cama rangeria sem parar.

Era assim: todo mês ele passava por ali, o pijama lá, perfumado dele, escondido na gaveta. A banheira de água morna espumosa, esperando. Despiram-se e entraram juntos no banho; entraram-se de corpo e alma, como se fosse aquela a primeira e última vez.

Podia ele nunca mais voltar – talvez mudasse de profissão, ou cooisa pior, morresse daquela ou de outras perigosas aventuras.

A espuma os cobria quase por completos. Olhavam-se nos olhos. A devassidão veio-lhes intensa, acompanhada de mútuos gozos.

Depois foram pra cama. E mais e mais luxúrias.

Amanhecia. O canto dos pássaros dizia que seus momentos estavam se acabando. Mas antes, ela sugaria o seu último fluído – pra que ele fosse dali, já querendo voltar. Ou fosse de corpo, mas ficasse de alma; somente levando a lembrança dela.

O expresso noturno apitou próximo, na curva – obedecendo ao sinal de segurança – apite! Ele se levantou, mudou rapidamente a roupa e partiu. O silêncio se fez infinito. O cãozinho nem sequer saiu do esconderijo, apenas resmungou quando ele fechou a porta dizendo – Adeus.

Ao ouvir o segundo apito, ela teve certeza de que o trem que chegara à estação o levava para longe dali; como das vezes anteriores.

Rapidamente ela trocou os lençóis e as fronhas do travesseiro. Banhou-se, vestiu a camisola cheirosa de sândalo e se acomodou sonolenta, na cama.

Virou pro canto, no momento em que a porta da sala se abriu e em seguida a do seu quarto – era o marido, chegando.

Foi o tempo suficiente de o amante partir e ele chegar – passageiros do mesmo trem – o marido parecendo assim acolhedor: o cachorrinho latiu, sestroso, e lhe pulou no colo, como quisesse dizer alguma coisa; diria, se pudesse falar. Ele o enchia de mimos.

Cansado, depositou sobre a mesa o buquê de rosas – que trouxera pra ela –, mas ela nem sequer levantou-se para recebê-lo: estava exausta.

Ele tampouco quis acordá-la. Apenas deitou-se ao lado dela.

Antes, mergulhou no tanque a própria roupa perfumada – apagando os vestígios de outros amores – modo ela nunca desconfiar de suas aventuras.

Também era mascate!