As Cores do Arrebol



Autor: Jairo Ferreira Machado

A montanha se refugia atrás de uma serração, uma névoa, uma catarata, forçando sua imaginação no que havia por lá e por qual razão a serração se ajuntara ali, apenas ali, como se quisesse para si todo o aconchego do calor da terra.

No mais, o silêncio do amanhecer em contínua maquiagem, os céus querendo explicar, para ele, o inexplicável.

Seus olhos se perdiam no horizonte, o dia longe vindo, alvorada. Pelo primeiro cantar dos melros, imaginou as horas e fixou na mente o magnânimo lugar. O orvalho molhando suas vestes, seu chapéu, suas pestanas e sobrancelhas. O peito carregado em pestes; tinha raiva dos bois, cujo cheiro característico, de bois, vinha colidir em suas narinas, a precisão do sobreviver.

A boca expelia um vapor calorífico que lhe vinha de dentro, o corpo recém-saído de debaixo dos cobertores. Na boca o gosto da broa de milho e do café coado, que o fogão de lenha – naquele dia –não quisera acender; chovera de noite e a lenha estava molhada. Diabos de vida, sô!

Longe, devagar, ressurgia o arrebol: laranja, grená, amarelo, um laivo de ouro, luzente, todas as cores num único cenário, onde suas vistas acabavam de amanhecer; embora estivesse ainda sonolento.

A sua volta, os arbustos acordavam respingados do orvalho da madrugada; borrifos de chuviscos, que mais tarde o sol os determinaria ao fim de si mesmos.

Ou não! Noutro plano, muito longe dali, ressurgiriam, sabe-se lá se novamente liquefeitos, gaseificados, ou como a solidez de uma rocha. Ou feitas as pétalas de uma flor.

O arrebol, em questão de minutos, transforma-se.

Logo as folhas se desvestiam do orvalho; como se não mais precisassem dele. A sua frente, o tropel dos bois. Vez em quando um berrava; deveras, saudoso de algum lugar, de algum curral ou coxo qualquer. Boi também tem coração, dizia a si mesmo.

O sol salpica seus primeiros raios no cume da serra, expulsando de lá a serração, e já desce às planícies, astro-rei, ator principal do dia, num picadeiro verde-pasto. Algumas reses pastam por ali, solevam os cornos, saudando os passantes. E berram.

Como é leve a brisa das manhãs, tocando seu rosto, mas preferia o aconchego da cama. Não o sono interrompido. Não o estômago vazio.

Num repente alguém passou um apagador no céu e o arrebol sumiu; foi com seus mistérios. Predomina lá, agora, um dourado que aos poucos o aquece. Ou será seu trôpego coração, propulsando forte o cansaço dos morros; senão, de alguma saudade.

Um dos bois que berrava, quis voltar. Ele deixou que fosse, correndo, caminho afora. Sorriu. Há sempre uma saudade benfazeja, que deixamos para trás: uma manhã, um arrebol, ou as lembranças de alguma coisa que se passou, algum dia, em algum lugar…