À Beira do Fogão de Lenha

Autor: Jairo Ferreira Machado

Nuvens carregadas entardeceu mais cedo o entorno da fazenda, quando ali chegamos – molambos humanos –, depois de uma caminhada de vinte e sete quilômetros e com os efeitos de duas chuvas mansas – uma já na descida da serra do corvo branco e a outra uma hora antes da chegada – fato esse que prejudicou em parte o encantamento que os riachos e as matas do trajeto impunham aos nossos sentidos.

Mas felizmente recuperados logo depois com o deslumbre da chegada, à recepção de uma ponte sobre um ruidoso riacho circundando a entrada da fazenda pela esquerda, contracenando com a mata a direita e aos fundos – e ilhada por um capricho do seu dono – Bruno – via-se a sede da fazenda de onde vinha animado nos cumprimentar o folclórico “tomate” – distribuindo de graça, a sua graça a todos que ali chegavam e iam arriando a mochila.

Um copo de aguardente nos era oferecido pela mão abençoada – o sô Edmundo, nosso benfeitor e apoio por todo o trajeto da caminhada – nos ofertando a melhor hóstia para um peregrino molhado, já muito próximo da exaustão física.

“Tomate” logo já picava a carne e os ingredientes para o carreteiro que saborearíamos horas mais tarde, enquanto nos enriquecia com seu profícuo ingrediente de brincadeiras e sabedoria. Tampouco sabíamos o seu nome, mas perguntando do porquê do apelido, se explicava – perdendo por momentos o brilho do olhar para um lacrimejo brotado de suas lembranças – a família perdera toda a plantação de tomates para as incertezas da natureza e ficaram assim: sem nada! Sobrou-lhe disso somente a vida e o apelido.

“Tomate” deu-nos à parte uma comprovação que não se comunicava somente com sua persuasiva oratória – apenas na nossa linguagem – minutos depois imitava um inhambu, que veio das profundezas da mata, respondendo ao seu gorjeio, tão perfeito quanto o do pássaro, que a todos nós encantava.

Não demorou muito e veio o personagem central da festa, o dono da fazenda – o Bruno – que nos saudou com o seu violão afinado, dedilhando as cordas enquanto o nosso guia, daquele dia – o Leso – entoava suas cordas-vocais, nos enchendo de alegria.

E para coroar de vez aquele momento, Bruno nos levou a conhecer uma Igreja inaugurada em 1948, no alto de uma serra, de onde a pujança das montanhas lá no fundo colidia certeira em nossos olhos seduzidos pela beleza do lugar.

… Hoje vou voltar de madrugada
Sei que ela vai brigar comigo
Hoje o meu astral não está com nada
Vou beber cerveja com os amigos…
(Guilherme e Santiago)

Retornamos de lá embalados pelo cheiro do carreteiro reascendendo de dentro de um panelaço sobre a trempe de um fogão de lenha, com um varal cruzando as paralelas das labaredas, onde secavam nossas meias e botas.

Como sobremesa, mais cantoria e lição de vida. Um murmúrio de água natural caindo sem parar, no tanque ao lado. Os estampidos das tampas de cervejas pipocavam no telhado; risos, casos, piadas. Saciados, fomos nos recolhendo aos colchões improvisados nas salas e quartos do casarão. No fundo, a cantoria…

Abandonei a querência
Contrariei meu coração
Por andar muito cansado
Da vida que leva um peão…
.
.
.
Cá na cidade vivo de recordação
Quase morro de saudade
Das coisas do meu rincão…
(Zé Mendes)

Em nome de todos, obrigado Bruno, “Tomate”, Leso, Neguinho e companhia. Mas da próxima vez, serenem mais cedo o braseiro, pois os peregrinos dormem com as galinhas e acordam já ao primeiro canto dos suiriris. O nosso forte abraço.

(Da caminhada à serra de Urubici)