Desencanto



Autor: Jairo Ferreira Machado

Por alguma razão desconhecida de nós, seres humanos, a lua cheia resolveu esconder-se naquela hora. Decerto enamorou-se de algum outro satélite e se abrigou atrás das nuvens, fazendo amor às escondidas… quem sabe?

Não é de tudo impossível nesse mundo onde a sexualidade reina absoluta, modo que ficar de fora desse contexto é démodé, é desarrazoar a razão, logo… a lua, os astros, também têm suas vontades e direitos lúbricos.

Agora, ali, nem a claridade da lua e tampouco das estrelas, somente a escuridão pela frente. E o inusitado por vir…

Naquele trecho de estrada, numa curva escondida por um bambuzal margeando os cafundós, diziam, havia acontecido coisas, que ele, o peregrino, se lembrava — mas não querendo se lembrar naquele instante — porém a brisa fria, de gelar espinha, vinha recordá-lo do que falavam os antigos moradores da região.

Fora parar ali extraviado de suas andanças, em rumo incerto, soubesse, tinha pegado um desvio para outras bibocas e não o fazendo caiu na cilada daquela coisa que parecia saída dos confins da terra ou dos infernos, sabe-se lá com qual ensejo, atravessando o seu caminho.

Travestia-se em pelo de lobo, com orelhas grandes empinadas e as presas escancaradas, rosnando. Ele botou o cajado em riste — como se adiantasse alguma coisa — mas o bicho ponderou com os olhos: apazigúe-se, peregrino.

Ao que parecia, queria somente uma conversa de pé-de-ouvido, o que ele, o peregrino, não se atrevia achegar-se, nem mais um tiquinho de espaço.

E o sobrenatural disse “Daqui também não me arredo, temos uma pendenga a ser resolvida”. E aquele ou aquela, sabe-se lá de qual sexo seria, tinha os olhos tristes; talvez chorasse! E ficaram assim, num impasse. “Achegue-se ou volte e nunca mais passe por aqui”. E o peregrino, ali, de cajado em riste.

Luz, só de um vagalume alumiando a si mesmo, também de passagem.

Fosse nos tempos de moleque, correria, mas agora de botas nos pés e mais sisudo em si mesmo, sabia que de nada adiantaria a pressa, logo, ajoelhou-se para morrer, já que as pernas lhe faltavam, no momento.

Mais ainda o sussurro de uma coruja vindo do bambuzal, em prenúncio de um acontecimento surreal. Susteve-se! A voz não lhe saía da garganta… e tampouco adiantava gritar – ninguém escutaria mesmo!

E o tal bicho, bisonho, apontava para o próprio peito como quisesse que ele, o peregrino, o ferisse ali, na carne, no coração; deveria sangrá-lo, só um pouco, para se desencantar e voltar à vida, digo, vida humana, como um dia tivera.

E o peregrino não assim procedendo, ele, o lobisomem, é que o dilaceraria à dentadas, para que esse se tornasse um seu semelhante e o tivesse como companhia, para sempre. Foi o que lhe pareceu.

Ainda estava em dúvida quando o bicho se jogou de encontro à ponta do seu cajado, que lhe vazou a carne, e num passe de mágica, floresceu do interior do animal, à sua frente, uma bela mulher, nua, nuazinha… linda!

No instante em que a lua ressurgia no céu, escandalosamente reluzente…

Exata, quando a contagem do tempo marcava meia-noite, da passagem de uma sexta-feira, ali, debaixo de uma quaresmeira, onde os dois fizeram amor. E foi único aquele momento…