Senhora de Si

Autor: Lígia Maria Knabben Becker

As nuvens choravam águas que se reuniam às más águas daquela mulher. As cores de outono fundiam ar e terra sobre o mar da sua cidade remexendo as cinzas onde sua alma fizera berço.
Logo, a espada de fogo da tristeza se levantava e a feria de leve em movimentos ritmados, porém infrutíferos. Nada sentia ou fingia não sentir, afinal, aquele exercício de se olhar por dentro e talvez encontrar respostas intranquilas poderia doer muito.
Construira uma barreira de defesa para escorraçar os despontares de emoções que não expressassem a alegria, o prazer, a satisfação.
O ar entrava em seus pulmões devagarinho. Inspirava a cor dourada do entardecer e expirava suas frustrações, tristezas e a praga daquele desânimo engolidor de vontades e de desejos.
Inspirava. Expirava….
Inspirava um dia-a-dia construído a dois em parceria de relação, sem poder nem disputas; inspirava um olhar de gratidão e reconhecimento da igualdade dos sexos; inspirava o diálogo constante; inspirava o querer ser olhada, escutada também.
Inspirava o não querer desejar. Depois, o querer, desesperadamente.
Desassossego.
Visualizava uma escada de corda, balouçante, fixada em uma nuvem mais próxima, e subia, subia e subia, fingidamente sem medo, em um devagar ambicioso. A cada degrau conquistado esquecia-se das dores da busca do não-sei-o-quê.
Como se adaptar ao novo? Ora, se transformando, lhe dizia uma vozinha vinda de algum cantinho da sua alma. E sem parar, constantemente.
Se entregue ao novo bravamente, sem julgamentos e com muito autoperdão.
Perseguir sonhos, posso?
Posso escolher querer um Outro, atavicamente, que me faça mais mulher, mais feliz, que me estimule no mistério do viver a minha história?
Posso escolher a minha verdade através da minha intuição?
Posso subir mais um degrau e fotografar com minhas retinas meu mundinho edificado com crenças, rituais e costumes de todos os tipos e deixá-las emolduradas nas paredes da casa que agora já não quero mais pra mim?
Posso aceitar as diferenças e querer que aceitem meus cabelos vermelhos?
Posso desencapar fios de lembranças da juventude e deixar escorrer a saudade em mini choques elétricos?
E me permitir desacreditar? Desapaixonar? Duvidar?
Posso?
E a resposta soou clara e respirável ao bocejo de uma nova manhã:
-Seja Senhora de si, e pronto!