Caminhada em Alfredo Wagner – Silvana Pisani

A saída para Alfredo Wagner estava marcada para às 6h30min do local usual, o Terminal Cidade de Florianópolis, bem no centro da cidade. O sábado amanhecia nublado, mas sem chuva, o que já era bom porque na quinta anterior o aguaceiro fora de respeito, e na sexta alguns pingos também tinham caído pela manhã. Não que algum dos 41 intrépidos peregrinos em busca de mais uma aventura fosse se intimidar por causa de chuva, é claro, mas o assunto “clima” esteve em alta na viagem de ida. Durante os 109 km que separam Florianópolis de Alfredo Wagner houve muitos comentários do tipo “estou com sombrinha e capa, está tudo bem” ou “se chover estou frita, só tenho corta-vento”! Mas, apesar de uns pingos ralos durante a viagem, o dia se manteve nublado, para alegria geral. Belas paisagens e a música gostosa da caixa de som do Arruda embalaram o soninho de muitos. As obras de contenção de encostas, a pleno vapor na BR 282, retardaram um pouco nossa chegada ao destino.
Em Alfredo Wagner, ainda dentro do ônibus, fomos até o início da subida para a comunidade de Santa Bárbara. Fizemos nossa tradicional roda de oração com todos de mãos dadas, “uma dando e outra recebendo”. Mas, como havia quatro novos participantes nessa caminhada, antes de orar fizemos as apresentações. Cada um disse seu nome e de onde vinha. Na sequência entoamos, concentrados, um Pai Nosso, uma Ave Maria e um Santo Anjo. Depois de um animado “Buen Camino!” e da foto do grupo, começamos alegremente a subir. Tudo muito bonito! Mata Atlântica dos dois lados da via, o Arroio do Leão murmurando docemente à nossa esquerda, com pedras de diferentes formatos e tamanhos gerando pequenas cachoeiras. Um pouco adiante algumas casas com quintais caprichados e roseiras, dálias, flores diversas e pousadas com portais criativos. Chamou nossa atenção a escultura de um leão rugindo, exibindo dentes e língua. Quase todos os peregrinos fotografam muito, e esse leão foi alvo de inúmeras lentes…
A subida, contudo, começava a se fazer inclemente. O Sérgio procurava nos animar dizendo sempre que aquele era o último morro, que logo ali seria só planície, mas depois da curva o que se apresentava era outra subida. Em dado momento um dos novatos, o Jorge, se assustou um pouco. Mas soube que nem todas as caminhadas são assim, muitas são bem mais suaves, ele quem começara justamente em um passeio com muita subida! E ouviu toda espécie de dica: procure ritmar a respiração, não olhe para cima, etc. Parou para respirar quando precisou e deu conta do recado. Mais do que as dicas em si o que deve ter ajudado foi a intenção, a energia de quem as deu. Com certeza fizeram com que o novel peregrino se sentisse acolhido e cuidado pelo grupo.
Quando parecia que Santa Bárbara era quase uma miragem, aportamos – finalmente! – no Bar do Lidão na frente da igreja da comunidade. Como é delicioso o primeiro gole de cerveja gelada depois de 5,5 km de subida em estrada de chão! Do lado de fora do bar foi arrumada uma mesa para um lanche compartilhado, onde cada um colocou o que levou e todos provaram do que quiseram. Como é bom comer com fome! E foi assim, com avidez, que liquidamos quase tudo ali. Mas ninguém ficou pesado, ao contrário, tudo caiu muitíssimo bem. Afinal só iríamos comer novamente à noite e ainda tínhamos 9,5 km de caminhada pela frente…
A atendente do bar tinha nos animou: “Agora acabaram as subidas. Daqui a Alfredo Wagner é só um descidão”, assegurou, convicta. Qual o quê! Continuamos subindo por uns dois ou três quilômetros, no mínimo. O que na verdade não é nada, o problema é que quando a mente se prepara para descer e encontra pela frente mais subidas, que ela esperava já ter superado, fica frustrada e faz com que o corpo reaja mal. Mas o caminhante não escolhe o caminho, a ele só resta seguir. E seguimos. Depois de um tempo as descidas de fato surgiram em nosso caminho, e, com elas, para alguns dores nas pontas dos dedos, que batem nas botas. Chegamos a Alfredo Wagner.
Que graça de cidadezinha, com seus 10 mil habitantes e geografia acidentada! Muitos morros, muito verde e muitas casas cor-de-rosa, em diversos tons, conferem a tudo um toque bucólico. Um lindo deck em madeira acompanha o rio, com mesas e cadeiras fixas para quem quiser sentar e contemplar. Local onde os moradores com certeza se reúnem em belos fins de tarde… O hotel onde ficamos, o Alfredo Wagner Park Hotel, era ótimo, espaçoso, quartos com sacadas imensas e camas confortáveis. Grande parte do grupo se reuniu para um café da tarde na Confeitaria Doce Sabor. Ali a Vanisi demonstrou como pretendia não se afogar no dia seguinte, durante a programada travessia do cânion do Arroio Leão: ela conseguira duas pequenas boias cor-de-rosa! É que a água, alertavam os organizadores, poderia chegar à cintura. A brincadeira rendeu muitas risadas e fotos, logo enviadas ao grupo de zap da caminhada.
O jantar, no “Bar do Anjinho”, em frente ao hotel, teve como atração principal o próprio “Anjinho”. Que figuraça! Super ágil, atencioso e brincalhão, ele só falou sério mesmo quando mandou pararmos de aperitivar. Queria que tivesse bastante churrasco pra janta. “Parou, parou!”, esbravejou, e aproveitou para fazer uma performance de homem bravo. Ele se desdobrou no atendimento e estava tudo uma delícia: as carnes, os acompanhamentos, as cachacinhas… e a confraternização!
Mesmo assim nos recolhemos cedo, bem antes das 22h, porque no dia seguinte o café estava programado para às 7h e iríamos caminhar pelo cânion do Arroio Leão. Até lá o trecho era pequeno, cerca de 4,5 km. E poucos metros cânion adentro. Porém a caminhada pelo leito de um rio sempre é algo exigente: as pedras são lisas, as corredeiras ficam mais fortes aqui e ali, as profundidades podem nos trair. Mas realizá-la foi muito compensador. Que exuberância da natureza, que beleza incomum! Nesse dia a solidariedade peregrina se fez presente em muitos momentos. Um ajudou o outro dando a mão, indicando o melhor caminho, servindo de apoio. Saímos dali molhados e felizes! A proprietária do terreno onde fica o arroio gentilmente permitiu que usássemos o banheiro da casa para trocar de roupa. Sequinhos e reconfortados seguimos para a Churrascaria Kretzer, onde uma miríade de infusões aguardava a nossa degustação… A comida estava excelente, bem como o nosso astral!
Na volta, nem é preciso dizer, quase todos “capotamos”, a música do Arruda sempre a nos embalar… Chegamos em Florianópolis cedo, por volta das 16h, renovados pelo convívio fraterno e pelo contato com a mãe Natureza.