Caminho da Ilha XIX Edição – 30/10 a 06/11/21 José Claudio Fróes de Moraes

Caminho da Ilha

XIX Edição – 30/10 a 06/11/21

 

A reunião preliminar no dia 29 de outubro de 2021 marcou o início da XIX edição do Caminho da Ilha, com o acolhimento dos peregrinos para distribuição das camisetas e passaportes, apresentação dos guias, palavras de ambientação dos grupos e jantar de confraternização.

Não tenho a intenção de escrever sobre o Caminho da Ilha mas, sim, de relatar, passo a passo, as proezas do Grupo do Sul, as “Ararinhas Azuis”, como carinhosamente éramos chamados por nossa Guia. Vamos caminhar juntos?

Às 07h00 do chuvoso dia 30 de outubro, estávamos todos reunidos na figueira da Praça XV para a cerimônia matinal de início do caminho, depois saímos, passamos pelo TICEN, cruzamos a passarela de pedestres sobre a rodovia e cada grupo seguiu para o seu sentido, Norte ou Sul.

Pouco antes do Trevo da Seta, sempre debaixo de chuva fina e constante, apareceu uma nuvem a nos oferecer frutas, água e cachaça para amenizar a adaptação dos caminhantes.

Passamos o Bairro Carianos e fizemos uma parada para as necessidades fisiológicas, lanche e reagrupamento a uns 300 metros antes da entrada da Base Aérea, onde esperamos em torno de meia hora até a liberação da passagem pelo interior daquele aquartelamento.

Cruzamos o Bairro da Tapera, acompanhamos a praia e fizemos a última parada no centrinho do Ribeirão da Ilha para saborearmos pastéis, ostras, dentre outras delícias, e conhecermos a bela e histórica Igreja Nossa Senhora da Lapa

Nos últimos 3 a 4 Km, para completarmos os 27 da etapa, pudemos observar o burburinho nervoso das corredeiras provocado pelo aumento do volume de água dos vários riachos que descem da serra e cruzam a rodovia para desaguar no mar.

Na pousada, pouco antes do jantar, fomos brindados com uma palestra interessante proferida pelo proprietário sobre a história do bairro e da Ilha de Santa Catarina.

No último dia de outubro, tomamos o ônibus de linha para vencer os 10 Km até a Caieira, onde iniciamos a trilha para a praia dos Naufragados, em piso molhado e escorregadio que exigiu muito cuidado a fim de evitar acidentes.

Após uma parada para reagrupamento e lanche na praia, iniciamos com novas subidas e descidas por trilhas que, apesar da cautela, não evitaram alguns escorregões e tombos, normalmente sentados, até chegarmos no Pastinho para novo descanso, contemplação das belas vistas e fotos.

Voltamos a andar por trilhas de solo irregular em mata fechada, morro acima e morro abaixo, pedras soltas e lisas, encontro com gado bovino, trechos cortados por veios d´água avolumados pela chuva, com novos escorregões e quedas que reforçaram a necessidade de calma e apoio mútuo até a chegada às praias do Saquinho e da Solidão, com novas escalas para reagrupamento.

Da Solidão em diante a trilha estava calçada, regularizada e oferecia baixo risco de queda, mas as fortes subidas ou descidas e as águas que cortavam o caminho exigiam esforço continuado.

O dia todo permaneceu nublado e a ocorrência de chuviscos frequentes e curtos exigiu o “coloca e tira” da capa protetora. Não houve consequências nos tombos ocorridos e o espírito solidário que aflorou no grupo fez com que a cansativa etapa de 17 Km até a praia dos Açores fosse vencida com total sucesso e segurança.

À medida que o tempo transcorria, mais o grupo se conhecia e, na troca de conhecimentos e experiências pessoais, a amizade se consolidava. Ao mesmo tempo, três subgrupos se configuravam por combinação de ritmos: o da testa, acompanhando a guia; o da retaguarda, mais lento e falante, que acompanhava o cerra-fila, cognominado “Turma do Funil”; e o do meio, mais esparso, com passo flutuante, que por vezes se aproximava da testa ou da retaguarda.

No terceiro dia, saímos pela praia até o Pântano do Sul para iniciar a trilha com fortes inclinações ascendentes e descendentes, solo ainda bem molhado e escorregadio a exigir paciência, com mais algumas pequenas quedas sem consequências, mirantes com lindas vistas, até a chegada à praia da Lagoinha do Leste, onde fizemos uma parada para descanso e curtimos momentos de retorno aos embalos da infância em um balanço lá montado.

Atravessamos as areias da Lagoinha do Leste e prosseguimos por nova trilha em mata semelhante às anteriores, contemplamos belas vistas no sobe e desce do morro, colhemos e comemos muitas pitangas, e paramos na praia do Matadeiro para lanche e hidratação. Depois, em pequenos grupos, prosseguimos até avistarmos a praia da Armação, cruzamos a ponte sobre o canal, passamos pelo centrinho, pela bela e centenária Igreja de Sant’Ana e São Joaquim e chegamos à nossa pousada com 16 Km caminhados na etapa.

Nesses dois últimos dias, os frequentes e longos momentos de silêncio de vozes humanas, tal qual um cortejo fúnebre, emoldurado por múltiplos cantos de pássaros e ruídos de cachoeiras, evidenciou a preocupação individual e coletiva com o estado das trilhas e o cuidado com a escolha do melhor local a pisar em cada novo passo ao cruzar os pontos mais críticos.

No Dia de Finados, com tempo bom e céu amigável, após uma sessão de fotos no largo em frente à igreja, saímos da praia da Armação, cruzamos a SC 406 e pegamos uma trilha no Parque da Lagoa do Peri. A maioria do grupo parou para visitar o Projeto Lontra e alguns continuaram em direção à lagoa onde aguardaram o reagrupamento para seguirmos para o Morro das Pedras.

Retornamos à SC-406 e, diante da impossibilidade de subirmos no Mirante do Morro das Pedras, como estava planejado, continuamos até pouco antes de sairmos à direita acompanhando a praia em direção ao Bairro do Campeche, quando nova nuvem nos aguardava com cachaça, frutas e outras bebidas para alegria dos peregrinos, embora esse dia já se configurasse como o mais tranquilo até aquele momento, quer pelo clima, pela extensão da etapa ou pela altimetria.

Bem recompostos, atravessamos o Bairro Morro das Pedras e adentramos o Campeche em trecho urbano até nosso hotel, onde chegamos antes do meio dia, depois de concluídos os 13 Km da etapa.

Já instalados, entre banhos nas piscinas do hotel ou na praia, conversas, aperitivos e compras nas redondezas, aguardamos a chegada do Grupo do Norte e os recebemos com aplausos e incentivos, haja vista que haviam cumprido uma jornada bem mais árdua que a nossa. Esse foi o único ponto em que os dois grupos se encontraram, congraçaram, jantaram e dormiram no mesmo hotel.

Antes do jantar com a presença de diretores e ex-diretores da ACACSC, fomos brindados com uma bela e divertida apresentação folclórica do Boi de Mamão por um grupo artístico da ilha.

Iniciamos a nova jornada pelo longo trecho de areia, algo em torno de 9 Km, até o centrinho da praia da Joaquina, onde fizemos a primeira parada para reagrupamento e hidratação. Em trechos como esse, a “Turma do Funil” costumava arrancar na frente e falar como maritacas famintas, o que tornava evidente a leveza do caminho e despertava inspirações para piadas e chacotas animadas envolvendo os vários “Môôôs” do grupo.

Prosseguimos pela rua calçada em direção à Lagoa da Conceição até um ponto após as dunas em que entramos à direita e tomamos a exigente trilha ascendente para cruzar o morro, contemplamos as belas paisagens das praias ao norte a partir de mirantes privilegiados, e descemos com os cuidados cabíveis até a Ponta do Gravatá para tirarmos algumas fotos junto da Pedra do Urso, com a última visão do mar aberto a Leste da Ilha da Magia.

Andamos mais um trecho em trilha até a SC-406 e caminhamos por seu acostamento até o acesso para um bar no extremo norte da praia Mole em que fizemos uma parada para breve descanso e hidratação, finalizado com danças e cantos ao som das músicas do ambiente, afinal havia curiosidade quanto à passagem pela próxima e famosa praia.

O sol e o calor potencializavam a dificuldade do caminho e nem mesmo os atrativos da praia da Galheta puderam disfarçar o cansaço porque não atingiram a expectativa imaginada por alguns.

Iniciamos a extensa e íngreme subida em trilha, amainada pelas lindas e diversificadas paisagens, passamos pelos acessos à Fortaleza da Barra e chegamos ao Alto da Boa Vista que proporcionou, a meu ver, os mais belos cenários do caminho em visão curta e profunda de 360º para o mar, norte da ilha, Lagoa da Conceição, serra longitudinal, leste e sul da ilha.

No último trecho, descemos de forma bem suave a íngreme trilha do morro até culminar com o cruzamento da ponte pênsil sobre o Canal da Barra e chegarmos ao nosso hotel, depois de 23 Km caminhados. Foi um dia longo e cansativo, mas o grupo manteve-se unido e portou-se com galhardia.

No sexto dia de caminhada, fomos até o final da praia da Barra, tomamos uma trilha dentro do bosque do Parque do Rio Vermelho por alguns quilômetros e depois passamos a andar por outra trilha na bancada fora da linha das marés, para evitar a areia fofa e abrasiva característica da longa praia do Moçambique, em torno de 11 Km de extensão. Na placa demarcatória no final da estrada até onde chegam os carros, diante de uma grande escultura de baleia, fomos surpreendidos pela terceira nuvem carregada de cachaça, frutas e outras bebidas, o que trouxe novo ânimo aos caminhantes.

Prosseguimos pela estrada com as margens repletas de pitangueiras carregadas até o final da praia e início do Morro das Aranhas, de onde metade do grupo seguiu pela trilha do costão com vistas para o mar e chegou direto no início da praia do Santinho, enquanto a outra metade subiu pela trilha das dunas, saiu atrás do complexo do resort e desceu pela rua até a praia. O reencontro do grupo ocorreu no posto de bombeiros salva-vidas lá existente, sem qualquer transtorno, com tempo suficiente para descanso, lanche e hidratação.

Continuamos pela areia até o final da praia do Santinho, desbordamos a Ponta dos Ingleses pelas dunas à esquerda e entramos na praia dos Ingleses. Nos últimos 4 a 5 Km, prosseguimos até a Igreja Nossa Senhora dos Navegantes e de lá fizemos em sentido inverso o Caminho Brasileiro de Santiago de Compostela até nossa pousada para completarmos os 25,8 Km caminhados dessa etapa. A jornada foi bem cansativa, o céu esteve encoberto com lampejos de sol e o clima abafado e quente, mas a chuva não chegou a cair.

Iniciamos o penúltimo dia pela primeira rua paralela à praia dos Ingleses até a entrada dos 1,8 Km da trilha do Morro da Feiticeira, subimos e descemos, cruzamos trechos encharcados, habitações esparsas, alguns pontos ou segmentos de maior dificuldade causada por erosões, tocos, raízes e pedras soltas, tudo sempre bem acompanhados por nuvens de pernilongos até a chegada à praia Brava. Esse pedaço também foi bem exigente, mas felizmente não estava tão molhado ao ponto de oferecer maiores riscos de quedas por desequilíbrio ou escorregamento.

Continuamos pelas areias da praia Brava até dobrarmos à esquerda para pegarmos a rotatória para a rodovia rumo a Canasvieiras e, pouco antes do posto da Polícia Rodoviária, entramos à direita para iniciarmos os 2,8 Km da trilha do Morro do Rapa, subirmos até a clareira da rampa de parapente e pararmos para reagrupamento, descanso, lanche e contemplação das lindas vistas.

Prosseguimos um pouco mais em leve variação altimétrica, começamos a descer e nos deslumbrar com as belas paisagens de bairros e praias do Norte da Ilha, cruzamos o “portal” de pedra e, de forma bem mais íngreme, atingimos a planura da praia da Lagoinha do Norte. Apesar da dificuldade e de alguns desequilíbrios, o Morro do Rapa foi vencido com tranquilidade. Após uma breve parada para reagrupamento, fomos pela areia até a praia de Ponta das Canas.

Por ruas até a avenida Luiz Boiteux Piazza, atravessamos boa parte do bairro Cachoeira do Bom Jesus, voltamos para a praia, passamos a uma quadra da Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe, ponto que marca o início do Caminho Brasileiro de Santiago de Compostela, e seguimos até a praia de Canasvieiras onde paramos para lanche, hidratação e descanso. O planejado era seguir adiante, mas o sol estava implacável, já havíamos caminhado mais de 20 Km e recuperar o fôlego era necessário. Sábia e bastante oportuna foi essa decisão.

Com as energias renovadas, seguimos até o final das areias de Canasvieiras, viramos à esquerda, subimos até a Rodovia Tertuliano Brito Xavier, passamos a antiga Igreja São Francisco de Paula, entramos no Bairro Jurerê, voltamos para a praia a partir do final da SC 402 e fomos até o final da praia de Jurerê, após o Parador 12 ou P12, ainda sob a inclemência do forte sol que reinou nesse dia.

Subimos o Morro do Forte, tiramos foto nas ruínas da Bateria de São Caetano, cantamos o “Olê mulher rendeira” para duas rendeiras de bilro que trabalhavam em suas artes, entramos à direita na bifurcação, tiramos nova foto na Fortaleza de São José da Ponta Grossa, que se achava fechada para restauração, e chegamos às areias da praia do Forte.

Sem maiores delongas, atravessamos toda a praia e tomamos a trilha na encosta do morro, bem junto ao mar, e finalmente, quase às 17h00, atingimos nosso objetivo no início da praia da Daniela, depois de longos e exaustivos 30,5 Km caminhados, embarcamos no ônibus e retornamos à mesma pousada no Bairro dos Ingleses.

Cabe destacar a Pousada Tatuíra, mesmo apesar da sauna no banho, pela delicadeza dos cartões de boas vindas colocados em cada quarto, todos manuscritos e nominais, assim como pelas lindas e motivadoras mensagens, também manuscritas, em cada lanche de trilha. Foi um diferencial.

Antes do jantar, nossa Guia promoveu uma proveitosa e oportuna reunião para colher a visão de cada caminhante sobre os pontos fortes, pontos fracos e oportunidades de melhoria do Caminho da Ilha que estava por ser concluído.

No último dia, já sentindo saudades, o ônibus nos levou até o interior do Bairro Sambaqui onde iniciamos a Trilha da Barra do Sambaqui, com mirantes de lindas vistas do Continente, do Pontal da Daniela, da Ponta do Sambaqui e das Ilhas Ratones, até baixarmos à praia de Sambaqui e fazermos escala na Ponta do Sambaqui para fotos e descanso.

Sempre pela rota gastronômica junto à praia, passamos pelo Bairro Santo Antônio e fizemos nova parada junto à quase tricentenária Igreja Nossa Senhora das Necessidades, para reagrupamento e contemplação das atrações turísticas, como a primeira rua calçada de Florianópolis.

Prosseguimos até o Bairro Cacupé e paramos na Colônia do SESC, onde embarcamos no ônibus que nos levou até a Ponta do Coral na Beira-Mar Norte, em frente às instalações da Polícia Federal.

Reiniciada a caminhada, atravessamos o Bairro da Agronômica, passamos pela residência do Governador, Shopping Beira Mar, Forte Santana e paramos na Ponte Hercílio Luz para a derradeira foto no Caminho.

Para finalizar, passamos as pontes Colombo Sales e Pedro Ivo Campos e a Estação Rodoviária, cruzamos a avenida pela passarela de pedestres, contornamos o TICEN e concluímos o Caminho da Ilha na figueira da Praça XV às 13h30, depois de 19,5 Km caminhados nessa etapa.

Aguardamos um tempinho o Grupo do Norte para as comemorações de chegada e cerimônia de encerramento e entrega do Certificado de Conclusão a cada caminhante e fomos para o almoço final ali mesmo no entorno da Praça. A alegria era total e contagiante pela superação e vitória alcançada.

É indiscutível que o Caminho da Ilha mostrou muitas atrações históricas da cidade, facilitou o conhecimento de enorme quantidade de cenários paisagísticos de rara beleza, criou a oportunidade de se caminhar por praias, trilhas em morros com matas, areias e costões, impôs desafios que muitos não imaginavam, mas os enfrentaram e venceram, e permitiu a degustação de vários pratos da gastronomia local, dentre outros ganhos turísticos e culturais.

No entanto, como o próprio grupo concluiu na reunião do penúltimo dia, o grande enriquecimento obtido nessas oito jornadas foi o aprendizado da tolerância, do companheirismo, do apoio mútuo, da superação individual, da prevalência do interesse coletivo sobre o pessoal, da boa conversa e troca de experiências, do respeito para com o próximo e da saudável convivência, ganhos que abriram e pavimentaram outra via para que nos conhecêssemos e fizéssemos novos amigos.

Ao Senhor do Universo, os agradecimentos especiais pela força e proteção recebidas para vencer esse desafio. À diretoria, os cumprimentos por essa realização que marcou o reinício da atividade fim da ACACSC, de preparar os peregrinos para os Caminhos de Santiago de Compostela. Aos guias, o reconhecimento e a gratidão.

Até uma próxima, Amigos do Caminho !!