Caminho das Missões

30 de agosto a 07 de setembro de 2014

Ana Lúcia Coutinho

O meu envolvimento com os inúmeros caminhos percorridos na vida possui sem pretensão alguma, o olhar histórico, resultado de formação acadêmica e, que, no qual não consigo me desvencilhar. Nele, obviamente, está presente toda carga social, psicológica e antropológica que me encontro inserida. Ao realizar o Caminho das Missões, de São Nicolau onde nasceu o Rio Grande do Sul a Santo Ângelo, vivenciar a sua paisagem, pisar naquela terra vermelha, dos Guaranis, ora empoeirada, ora escorregadia, me deixei levar pela paz do lugar e pela harmonia estabelecida no grupo durante os oito dias, totalizando 187 km. O sorriso fácil dos companheiros peregrinos: Catarina, Maria Zilda, Marize, Carlota, Luise, Sérgio, Jarbas e Brasílio, nosso guia, tornou a caminhada leve, muito leve. Disposta a perceber o imaginário do caminho a todo momento éramos surpreendidos com a mudança climática, ora tempestade de vento, seguidos de relâmpagos cortando o céu, granizo e ora por chuva, muita chuva, desafiando a nossa paciência e coragem.

Terra de história e de estórias marcada pela emoção e fé presente nas formas, da herança dos antigos pajés e as antigas tradições do Cristianismo surgem as benzedeiras, rezadores e mateiros, procurados até a atualidade para cura de males. Bela terra vermelha que a medida que percorremos marca as nossas roupas e penetra nossa alma e nós faz suar a cada passo, causado infinitamente pelo acúmulo de lama que gruda no solado da bota, redesenhando-as. Mesmo com o peso que se acumula, batidas são frequentes ao chão e se repetem num único som para que a lama desgrude, mas isso nem sempre acontece forçando pequenas paradas para que possamos desvencilhar os quilos acrescidos.

As pisadas firmes deixam marcas redesenhado o chão e as pegadas vão agregando a paisagem emolduradas pelas frequentes coxilhas e pelos verdes das imensas plantações de trigo, das pastagens com seus rebanhos e dos cílios que mudam a paisagem. Este cenário se constitui numa relação permanente dos que veem e dos que vão, daqueles que ficaram e constituíram famílias e que trazem na alma a história viva de onde nasceu um dos estados mais promissores do Brasil, o Rio Grande do Sul.

No caminhar e contato com a gente do lugar. Na sabedoria popular agregamos a história da Região das Missões no oeste deste estado, fronteira do Brasil com a República Argentina, berço de uma civilização que é alvo de estudos por sua singularidade no contexto histórico mundial. Nos séculos XVII e XVIII, a serviço da Coroa Espanhola, a Companhia de Jesus fundou os Trinta Povos das Missões: aldeamentos, chamados Reduções, verdadeiros complexos urbanos, que foram instalados em terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas em grande parte da Bacia Platina, envolvendo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Interligados por caminhos, as Reduções formaram um todo que em poucos anos experimentou grande desenvolvimento econômico baseado principalmente na criação de gado, introduzida pelos jesuítas e na cultura da erva mate, tradicional entre os guaranis. O desenvolvimento agrega as artes, destacando-se as esculturas em madeiras, teatro, arquitetura e a música cujos testemunhos se apresentam nas partituras. Legado inigualável, testemunho de um tempo marcadamente destruído por guerras sangrentas contra aos poderes de denominação luso-espanhola.

No Brasil, das sete Reduções Jesuítico-Guarani instaladas, três tiveram seus vestígios encobertos por formações urbanas: Santo Ângelo Custódio; São Luiz Gonzaga e São Francisco de Borges (esta não realizada pelo grupo). As outras quatro Reduções, São João Batista, São Lourenço Mártir, São Miguel Arcanjo e São Nicolau conservam remanescentes que são protegidos como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e, em 1983, o Sítio Arqueológico de São Miguel Arcanjo foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, por ser o mais completo de todos.

Percorrer o Caminho das Missões e cortar seis das Reduções, incluído o santuário dos mártires das missões: Santo Afonso Rodrigues, São Roque Gonzales e São João del Castilho, em Caaró ( terra da erva mate na linguagem indígena), sentir a história e presenciar os costumes arraigados na sua gente é se emocionar com parte da história do Brasil pouco contada nas nossas escolas. Só conhece verdadeiramente essa história aqueles que nela vive. Sua complexidade enche de orgulho o gaúcho que canta a sua terra em prosa e verso e conta a sua história ao som da sanfona e do solitário violão. Esse legado resulta no esforço de vários segmentos, principalmente da cultura e do turismo que se unem para tornar a inclusão possível das famílias rurais e dos indígenas a fim de mostrar a sua história e agregar valor ao seu patrimônio imaterial.


A G R A D E C I M E N T O S

Brasílio Ricardo Cirillo da Silva

Para mim, sempre uma despedida é seguida de emoção, principalmente quando convivi com um grupo maravilhoso que foi este da ACACSC. O contato diário, durante nove dias, reforçou as amizades antigas e curti as novas. Já na Estação Rodoviária de Santo Ângelo, quando esperava o ônibus para retornar a Porto Alegre, as primeiras lembranças do Caminho das Missões que trilhamos juntos vieram à minha memória e as primeiras lágrimas solitárias voltaram a cair dos meus olhos.
Dentro do veículo, embalado com estas imagens, adormeci até a parada para o café. No resto do percurso, bem acordado, fiz várias comparações com caminhadas passadas e cheguei a conclusão que esta está dentro das melhores que realizei.
As razões são as mais diversas, destaco, entre elas, a solidariedade recebida e a concedida durante ela, tanto do grupo como do povo missioneiro que lá encontramos ao longo das estradas.
Revivi muitos fatos da minha infância gaúcha, já que o meu velho pai foi funcionário da Viação Férrea do Rio Grande do Sul que, junto com a minha família, nos levou cruzar este Estado em todos os sentidos, Norte a Sul, Leste a Oeste.
Amo esta terra em que nasci, entretanto, à Região das Missões atribuo um carinho todo especial, não sei porque, talvez por ter descendência indígena nas minhas origens paternas. Aliás, por parte de pai, o meu avô nascido na Argentina, foi perseguido na fronteira do lado de lá, atravessou a nado o Rio Uruguai e veio a se estabelecer em São Borja, local da construção da primeira redução jesuítica no Rio Grande, trocando de nome.

Vou lembrar, agora, os fatos mais gostosos que vivi com vocês: O “lanche de trilha”, a sombrinha e o novo guarda-chuva da Catarina, a queda da Ana Lúcia de “lombo” no barro, as botas do Sérgio que viraram verdadeiros “jacarés”, os “ovos” do Sr. João, as “prosas” ouvidas da Maria Zilda, os ensinamentos recebidos do Jarbas, os necessários alongamentos comandados pela Marize e a agradável surpresa da companhia da Luise.
Dizem que um caminho nunca termina e que ele começa sempre que chegamos ao seu final. Acho que isto é verdadeiro, pois tenho certeza, numa auto-avaliação, voltei das Missões muito mais crescido e amando, ainda mais, esta terra na qual surgi.
A todo grupo e, especialmente, a cada um individualmente, recebam um forte “quebra-costela” de gaúcho apaixonado pelas suas origens e tradições, que ama conviver com pessoas peregrinas como vocês. Que Deus, Nossa Senhora e Santiago de Compostela permitam que nos encontremos várias vezes neste mundo de caminhantes que nós vivemos. Beijos a todos, Brasilio.

OBS: A única notícia ruim que recebi foi a derrota do meu querido INTER para o Figueirense, em pleno Beira-Rio e, agravante, de virada…….


Fotos: Catarina Maria Rüdiger


Fotos: Jarbas de Oliveira Justus

Detalhes do Evento