Caminho do Vale Europeu 2014

15 a 23 de agosto de 2014

16 de agosto, sábado à noite, um grupo de 22 caminhantes se reuniu no pequeno e modesto restaurante na beira do Rio Itajaí Açu em Indaial. Era a hora das apresentações. Muitos amigos alguns conhecidos e umas poucas caras novas. Era o primeiro encontro daqueles que nos próximos sete dias palmilhariam os 200 quilômetros do Vale Europeu. O jantar foi simples, mas saboroso e a alegria dos participantes foi uma perfeita antecipação do que seria os próximos dias de caminhada.

O primeiro dos sete hotéis que frequentaríamos durante a jornada era pequeno, mas muito limpo e propiciou um café da manhã muito saboroso e nutritivo, exatamente o que se requer antes de uma caminhada de 23 quilômetros.

O primeiro dia da caminhada confirmou a previsão do tempo. Chuva o dia inteiro. Todos munidos de capas e alguns com guarda chuvas iniciamos a caminhada. Os primeiros quilômetros foram em vias pavimentadas porém logo chegou a estradinha de terra que seria o principal tipo de pavimento nos próximos dias. A chuva nos permitiu ver a natureza de um ângulo a que já não estamos mais acostumados. As folhas brilhantes, o mundo lavado, os riachos transformados em torrentes, tudo nos remetia a um mundo primitivo. Subimos com prazer o morro das Arapongas, primeiro de muitos morros anônimos que marcaram nosso caminho. Quando já nos preparávamos para a descida tivemos uma surpresa. Um segundo morro no plano altimétrico que nos foi entregue no início do caminho parecia uma colina suave, mostrou-se bem mais íngreme. Em compensação, a descida não foi tão inclinada e nos permitiu examinar com calma as pequenas propriedades rurais que caracterizam toda a região.

Nesta noite, excepcionalmente ficamos hospedados em um hotel mais estruturado; a verdade, porém, é que um hotel mais simples teria dado conta do recado, pois todos estavam exaustos e se recolheram logo depois do jantar.

O segundo dia da caminhada começou nublado. A previsão do tempo indicava 20% de probabilidade de chuva. A maioria apostou no bom tempo e aposentou capas e guarda chuvas. Deu certo, o sol abriu e nos acompanhou por toda a jornada. O destino neste segundo dia era Pomerode, a cidade mais alemã do Brasil, a 25 quilômetros de Timbó. A subida do morro Azul foi o ponto alto do dia. A mata nativa, os pomares e as residências em enxaimel, estilo de construção caracterizada pelo uso de tijolos aparentes estruturados por vigamento de madeira negra, foram uma constante ao longo do caminho.

Chegamos a Pomerode no domingo à tarde e nos dirigimos ao belo portal turístico da cidade onde fomos recebidos pela Raquel, jovem pomerodense, vestindo traje típico alemão e pronta para carimbar nossa credencial.

Abrigados no simpático hotel designado pelos organizadores da caminhada, fomos jantar numa pizzaria onde para surpresa de todo o grupo fomos atendidos pelo Gerson, nada menos que um PHD pela USP. Gerson já viveu em vários países da Europa, morava em São Paulo, mas procurou Pomerode, terra da sua esposa para criar os filhos em uma cidade menor e com mais qualidade de vida.

No dia seguinte caminhamos a maior parte do tempo ao lado de uma rodovia recentemente pavimentada. O destino era Rio dos Cedros, o clima quente e seco e a distância de 18 quilômetros. O vale é lindo. As propriedades rurais muito bem mantidas e todas as casas com cortinas nas janelas e pequenos jardins.

Em Rio dos Cedros a hospedagem foi diferente. Ficamos na casa de formação. Uma grande construção com apartamentos coletivos e grande refeitório normalmente destinado a retiros espirituais. Um casal de religiosos toma conta do local. Mário, o diácono, acolhe a todos com um bom chimarrão e sua esposa cuida da cozinha. Galinha caipira assada, pães pesados próprios para o trabalho braçal e cucas deliciosas fizeram o cardápio nutritivo oferecido aos peregrinos. A galinha estava tão saborosa e as porções foram tão generosas que incrementaram o café da manhã e foram um complemento perfeito do sanduíche do almoço do dia seguinte.

O quarto dia da caminhada nos levaria a Benedito Novo, uma jornada de 24 quilômetros com muitas subidas e descidas. As pequenas igrejas de São Bonifácio e Cunha enfeitam a paisagem bucólica; já nas proximidades de Benedito Novo, o rio serve de moldura à estradinha empoeirada que termina numa antiga e bonita ponte pênsil.

À noite, alguns peregrinos mais entusiasmados se reuniram para jogar cartas. É curioso como a jornada não foi suficiente para acabar com a energia deles. A brincadeira normalmente vai até às 23 horas, pois todos sabem que o dia seguinte começa cedo.

A caminhada de Benedito Novo a Dr. Pedrinho aconteceu sob céu azul. A jornada de 27 quilômetros com muitas subidas se faz no meio de florestas artificiais de pinheiros e eucaliptos. Pequenas serrarias operam à beira do caminho. Algumas pontes pênseis servem para atravessar os riachos que descem dos morros. No alto da montanha uma estradinha lateral leva a uma enorme gruta denominada Gruta de Santo Antônio. Trata-se de uma formação rochosa esculpida pelo vento e pela chuva que formou um enorme salão com mais de 300 metros de largura. O lugar impressiona pela beleza e grandiosidade.

Em Dr. Pedrinho ficamos hospedados no hotel da Dona Hilda. Ela e o marido se responsabilizam tanto pela limpeza quanto pela comida; em 2010, Dona Hilda chegou a alugar o hotel e foi curtir uma justa aposentadoria em Piçarras. Três anos depois viu-se compelida a voltar pois o hotel estava sendo detonado pelo arrendatário.

No dia seguinte, sexto dia da nossa caminhada, fomos de Dr. Pedrinho à Toca dos Índios passando sempre por florestas industriais. O caminho é bastante acidentado, mas muito bonito, sobretudo porque se caminha em regiões altas com frequentes vistas panorâmicas da região.

Em Toca dos Índios fomos recebidos pela proprietária da pousada, Dona Gisele artista plástica apaixonada pelo lugar. A pousada, toda construída em madeira é linda e completamente isolada no meio de uma floresta. As grutas que dão nome ao lugar são impressionantes e ficam no alto de uma serra nos fundos da pousada. São buracos enormes escavados em paredões de lajes superpostas constituindo verdadeiros salões capazes de abrigar famílias inteiras de indígenas (se é que os indígenas efetivamente as utilizavam para este fim).

`A noite, uma surpresa. Depois do jantar os peregrinos foram convidados para um ritual milenar em uma clareira próxima à pousada: sentar-se em volta de uma fogueira. Houve cantos e brincadeiras mas o emocionante foi ouvir os depoimentos dos peregrinos sobre a experiência da caminhada, sobre a solidariedade e o significado do fogo. Alguns companheiros que até então cultuavam um mutismo preocupante conseguiram verbalizar suas emoções e naquela noite fomos dormir nos sentindo enriquecidos pela troca de experiências.

A descida da serra na direção de Rodeio, uma jornada de 35 quilômetros acabou sendo abreviada em 3 quilômetros graças a informação de uma comerciante local. A construção de uma Tirolesa propiciou a abertura de uma estrada que permitia esta redução na distância. A novidade foi bem recebida pelo grupo já que 35 quilômetros no sexto dia de caminhada seria bastante cansativo.

Encontramos um grupo de ciclistas de Blumenau que estava subindo a serra. Paramos para um lanche na casa de um agricultor. Havia uma placa oferecendo lanches e refrigerantes, porém só havia suco de hortelã, pois segundo o proprietário o negócio não era viável. De qualquer maneira, o suco estava delicioso e foi recebido com gratidão por todos.

Rodeio é uma cidade pequena, colonizada por italianos da região de Trento, no norte da Itália. A cidade tem um seminário e abriga um centro de formação das irmãs catequistas que está comemorando 100 anos de atividades. A Igreja domina o vale e impressiona pelo seu tamanho numa comunidade tão pequena. Dona Irene, uma simpática septuagenária transformou sua casa numa pousada muito limpa e agradável.

O sétimo dia de caminhada, um sábado, começou quente. A previsão, posteriormente confirmada, era de 32 graus centígrados. Café generoso e pé na estrada com destino a Timbó, fim da nossa caminhada. Neste ultimo dia a jornada não foi longa, apenas 13 quilômetros, mas dura pois toda ela foi à beira do asfalto e com sol muito forte. O caminho é muito urbano e cheio de arrozeiras que nesta época do ano estão sendo preparadas para o plantio e, portanto, cheias de pássaros.

O término da jornada aconteceu por volta do meio dia no restaurante Thapyoka, bela construção em enxaimel à beira do rio Timbó. O prato, perfeito para esta época do ano, foi feijoada.

Os peregrinos felizes por haver cumprido seu treinamento para o caminho de Santiago e mais ainda pelos inúmeros amigos conquistados ao longo da semana se despediram prometendo estar atentos às novas caminhadas para as quais certamente serão convidados.

José Gentil Schreiber


Fotos: Sonia Regina Coutinho


Fotos: Clara Motta Kuhn


Fotos: Ruth Hickel de Carvalho

Detalhes do Evento