Santiago de Compostela, a cidade no final do “Caminho”

Já se passaram 35 anos desde a declaração da cidade como Patrimônio da Humanidade, um reconhecimento que a impulsionou a uma nova internacionalização

Texto de Xavier Vilaltella Ortiz

O primeiro significado de “caminho” no Dicionário da Real Academia se refere a um lugar para onde você viaja. No entanto, a palavra é usada para representar metáforas sem fim. Isso foi explicado pelo historiador alemão Robert Plötz ao falar da rota jacobea a partir de um prisma filosófico. A alegoria mais difundida, que todas as religiões têm usado, é a do caminho “reto” em oposição ao “equivocado”.

Na Espanha, o “caminho” por excelência é o de Santiago, onde o sentido literal e o metafórico do termo se encontram. Embora tenha nascido como um lugar de peregrinação, hoje em dia, o sentimento religioso tem se somado a uma infinidade de outras razões para isso. Não apenas esportivo ou cultural. Seja para encontrar um caminho espiritual ou simplesmente para se encontrar, milhares de visitantes fizeram da rota jacobea e da cidade de Santiago um destino mundial.

Já a palavra “peregrino” vem do latim e originalmente significava “estrangeiro”. Mais tarde, o termo foi usado para se referir às pessoas que visitavam os lugares sagrados. Porém, para Dante Alighieri (1265-1321) o peregrino era apenas aquele que “vai à casa do Senhor Santiago em Compostela”. É assim que ele explica em sua obra Nova Vida. A afirmação não é surpreendente, já que naquela época o Camino estava no auge de sua popularidade.

Ao observar que “caminho” e “peregrino” permaneceram infalivelmente vinculados à rota jacobea, fica evidente seu peso simbólico. Como explicou o filósofo galego Marcelino Ajís Villaverde em Aspectos Filosóficos e Antropológicos do Caminho de Santiago (2008), historicamente, a lenda de Santiago possuía grande simbolismo. No final das contas, se no Novo Testamento Jesus de Nazaré pedisse a seus seguidores para levar a palavra de Deus até o fim da terra, o apóstolo a cumpriria em detalhes, pois teria chegado ao fim de Finisterre.

Devido à sua história, explica Villaverde, o Caminho é de fundamental importância. Na verdade, quando em 1985 a Unesco declarou Santiago de Compostela Patrimônio da Humanidade, também se referiu à sua universalidade. “A natureza desta cidade […] tem seu eco no enorme significado espiritual de um dos poucos lugares tão profundamente imbuídos de fé a ponto de se tornar sagrado para toda a humanidade”, disse a nota oficial.

A origem da cidade

Tudo nasceu da crença de que ali estavam os restos mortais do Apóstolo Santiago el Mayor. Segundo a tradição, depois de evangelizar a Hispânia, ele retornou à Palestina, onde foi martirizado. A partir daí, seus discípulos teriam tranladado o corpo para enterrá-lo na Galiza. Mas não há prova desse fato. O primeiro a contar a história foi o Breviarum Apostolorum do século 7. Mais tarde, o Codex Calixtinus ou a Historia Compostelana, ambos do século XII, confirmariam a história.

A crença no sepulcro motivou o nascimento da cidade de Santiago, com a chegada de peregrinos e novos povoadores. Além disso, em 1095 o Papa Urbano II decretou a extinção do antigo Bispado de Iria Flavia (Padrón, La Coruña) para que a sé episcopal fosse transferida para a nova cidade, junto com todas as suas propriedades.

Pouco depois, com o patrocínio do bispo Gelmírez, deu-se um impulso definitivo às obras da catedral, iniciadas em 1075. Em estreita colaboração com o papado, Gelmírez introduziu também a reforma gregoriana no novo bispado. Após alguns anos de relaxamento das regras e excessiva fragmentação da Igreja devido à feudalização, no século XII a reforma pretendia revitalizar a fé e uniformizar a liturgia e o culto. Sua expressão artística foi o estilo românico, do qual a nova catedral de Santiago deve ser um grande exemplo.

Ao mesmo tempo, os peregrinos não deixavam de chegar à cidade. “Castela carece de árvores e está cheia de homens maus e cruéis”, enquanto os galegos “se encaixam mais perfeitamente ao nosso povo gaulês do que as outras populações espanholas, de costumes retrógrados “. Assim, em 1140, o monge beneditino Aymeric Picaud alertou os viajantes franceses sobre o que encontrariam ao cruzar os Pirineus. A citação faz parte do texto conhecido como Guia do Peregrino. Como se fosse um guia turístico moderno, Picaud deu todos os tipos de conselhos práticos e espirituais aos que realizavam a viagem.

Tanto o poder eclesiástico commo o civil facilitaram para que a peregrinação se tornasse um fenômeno de massa. Alfonso VI (1040-1109), Rei de Castela e Leão, e Sancho Ramírez (1043-1094), Rei de Navarra e Aragão, construíram uma rota mais segura. Ao mesmo tempo, a expansão da ordem de Cluny pelo norte da península consolidou uma rede de assistência aos viajantes. À luz dessas mudanças, a partir do Caminho Francês original, as rotas se espalharam pelo Ocidente. Ao mesmo tempo, os peregrinos também se misturavam com os necessitados, atraídos pela hospitalidade oferecida pelos albergues e hospitais.

Após anos de apogeu, um período de declínio começou por volta do século XVI, marcado pelo desaparecimento dos restos mortais do apóstolo. Pouco se sabe sobre este fato, para além da história oficial que assegura que os restos mortais foram escondidos diante do receio de uma possível incursão do corsário inglês Francis Drake em terras galegas. No entanto, as causas do declínio do Caminho foram muito variadas. Se primeiro os protestantes romperam a rede europeia que formava o Caminho, seguiu-se a secularização que emergiu da Revolução Francesa, causando uma queda na devoção jacobea.

Curiosamente, foi nesta fase inglória que se realizou uma das intervenções mais importantes da catedral, com a construção da grande fachada barroca no século XVIII. Obra de Fernando Casas Novoa (1670-1750), foi desenhada com grandes janelas envidraçadas que iluminam a fachada românica que se esconde atrás.

Durante o século XIX, os peregrinos foram escassos, até que, em 1879, durante escavações na cripta, o galego Antonio López Ferreiro (1837-1910) reencontrou os restos mortais do apóstolo. Mas as grandes peregrinações não aconteceriam até a segunda metade do século XX. Nessa ocasião, um novo fenômeno entrou em cena: o turismo. Se em 1954 a cidade tinha 700 mil visitantes, em 1982 já eram seis milhões.

O dia de hoje (04/12/2020) marca o 35º aniversário da declaração da cidade como património mundial, um reconhecimento que favoreceu a sua internacionalização. Outro momento importante foi a visita do Papa João Paulo II em 1982. Diante de uma multidão, o pontífice evocou a história do Caminho para enviar uma mensagem à Europa: “Seja você mesmo, volte às raízes”. Assim, ele afirmou que a consciência da Europa foi parcialmente forjada no Caminho de Santiago. No sentido físico, porque durante a época medieval serviu de eixo difusor de ideias, como a reforma gregoriana. No sentido metafísico, pela ideia – muito jacobea – do homem como peregrino eterno.

João Paulo II encerrou seu discurso com uma citação atribuída a Goethe, que sintetiza o valor histórico que o pontífice atribuía ao percurso: “Em torno da memória de Santiago, a Europa encontrou-se a si mesma”.

Publicado em La Vanguardia – 04/12/2020

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