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Foto do escritorJairo Ferreira Machado

Pingo do Chuveiro

Atualizado: 19 de mai.

Autor: Jairo Ferreira Machado O biguá abriu as asas sobre a pedra semi submersa à beira-mar, onde permaneceu todo entardecer na digestão dos peixes que o mar trazia ininterruptamente, pra ele. Depois voou, desapareceu, foi dormir no norte da ilha. Enquanto isso as ondas formadas pelo vento arrebentavam contra os rochedos que davam sustentação à via beira mar – as veredas dos caminhantes, e dela: Carmem Lúcia. Aos fundos, a visão inconfundível da ponte Hercílio Luz. Cuidava do corpo e da mente, embora eventualmente já lhe incomodasse o prenúncio do fogacho do climatério; mas morta, não estava! Desfazia-se dos calorões com andanças, enquanto a garça branca caçava seu último alimento entre os rochedos ou em meio às espumas que as ondas formavam do choque contra as rochas. À sua direita o longínquo continente. Dali Carmem Lúcia acompanhava o sol se consumindo no crepúsculo horizonte; era quando, cansada, voltava ao seu apê, num daqueles modernos e suntuosos prédios que se põe de face para a baía. Mais tarde, do alto da varanda, podia acompanhar o crepúsculo, quando então lhe batia uma imensa saudade: os filhos criados e estudados, já haviam partido. E o marido, certo dia, chegara mal-humorado em casa, sem que ela soubesse a razão, dizendo-se esgotado – cansara da rotina de tudo – foi-se, e desde então não mais voltou. Embora decepcionada, agora, sentia saudades dele; dele, nem tanto, sentia saudades de uma companhia masculina; mas não iria procurá-lo, só por isso. Ainda que os índices hormonais decaíssem-lhe – como o esperado – considerava-se sarada de corpo e alma; haja vista a necessidade benfazeja que a obrigava – solitariamente – a manusear-se sob as águas do chuveiro quente. Mal aliviada da excitação, enrolava-se numa toalha, penteava-se, passava batom, entornava no copo um pouco de vodka com gelo e limão e ia acompanhar o pôr-do-sol – sentada à varanda do seu apê. Às vezes saboreando também as paginas de um bom romance. A cada golada etílica, maldizia-se – sua burra, já é tempo de arrumar outro. Ele chegou ao posto de trabalho, acomodou na gaveta o sanduíche e pegou o interfone, que chamava naquele instante; de imediato, soube quem era. – As suas ordens, dona Carmem Lúcia. E ela falou do outro lado da linha – A torneira do Box do banheiro está pingando, pode me mandar o encanador aqui? – Posso sim, dona Carmem! Mas se não houver pressa, poderei eu mesmo arrumar, amanhã cedo, após o expediente. Esperaria, ela disse. Era um homem bem apessoado, apesar de truculento, com os dentes bem conservados e um sorriso encorajador. Por que não!..., pensou, já confabulando sem-vergonhices. Precisava de alguém, vez em quando, para os serviços de manutenção; entre outras coisas, a sua própria... Mal dormiu naquela noite. Era lua cheia e nesses dias os hormônios a incomodavam mais ainda. Mas em vez de se maltratar a sós, guardou a excitação para depois. Cedo ele tocou a campainha. Estava acordada e já de banho tomado. Também fez o café – ele talvez quisesse um desjejum – já que trabalhara à noite, na portaria. Aproveitou, esquentou os pães, fritou alguns ovos, e pôs à mesa, tendo caprichado antes no próprio visual e no perfume – cheirava a sândalo. Ele a cumprimentou, olhou a guloseima, e arriou no chão a caixa de ferramenta – Ela deve estar esperando alguém?, pensou, abrindo o sorriso alvissareiro. O sol da manhã já fazia sombras na varanda. Carmem Lúcia mandou que se sentasse e servisse à vontade; atendeu, alimentou-se vorazmente, vez em quando descansando os olhos lá entre aqueles fartos seios. Ela se fazia de escondê-los com uma das mãos – ao se abaixar para tomar da xícara de café com leite – quando mesmo nem quisesse escondê-los, apenas disfarçava o pudor que no íntimo, dele queria desfazer-se, já naquela manhã. Dois anos de solidão, era muito tempo. E a lubricidade a sós, era uma coisa enfadonha, que não a satisfazia de mente e tampouco de corpo. Saciados do desjejum, falaram do trivial e em seguida ela mostrou-lhe o chuveiro, motivo da vinda dele ali; nem pingava tanto... Enquanto desenroscava o registro, pela vão da porta ele reparava aquelas pernas e coxas estiradas sobre a mesinha da varanda; Carmem Lúcia, maquiavélica, fizera seus planos, permanecendo ao alcance dos olhos dele. Tinha às mãos um bom e tentador livro – Os Sete Minutos. Ele não sabia do que se tratava a leitura, mas era dali que ela tirava a excitação que aplacava na hora do banho, quando mordia os próprios lábios, de saudades de um parceiro. Assim, vez em quando olhava disfarçadamente pro lado do banheiro, onde ele trabalhava, ansiosa que ele a chamasse, pra ver se o serviço estava bom, o que minutos depois, aconteceu – Dona, vem ver se ficou bom... – Não me trate de Dona, Romildo! – Carmem!..., ele falou. Aí ela sorriu e aproximou-se calorosa, os hormônios à flor da pele. Entrou de viés no Box dando espaço para que ele continuasse ali, já dizendo – Está um calor dos infernos hoje, não acha? – Verdade, Carmem! Ainda mais depois daqueles ovos, ele respondeu. Ela riu levando a mão ao registro, sem querer, querendo, abriu-o por inteiro proporcionando inesperada ducha aos dois – Oh!... Desculpe-me! Desastrada que sou, disse. – Que nada, estou mesmo precisado! E já foi tirando a camisa e a bermuda molhada; ofegava, quase boca a boca, com ela. Aquele hálito gostoso de batom e dentifrício. Ela o fitou e sem poder retroceder, nem mais um centímetro – ele já invadira o seu espaço – deixou-se abraçar ou mais o abraçou com toda a força anímica que lhe vinha de dentro. Cuidou apenas de deixar o chuveiro aberto, enquanto se desfaziam das roupas, ele com uma maltratada cueca com o brasão do seu time de estimação; o conteúdo parece razoável, mas o envoltório..., podia ser mais sexi. E aqueles Sete Minutos foram além das páginas do livro. Dali em diante ele não precisava mais perder o seu tempo nos terminais rodoviários, indo do continente à beira-mar, e vice-versa, nem tampouco passar a sanduíches – vez que perdera a mulher para os arredores de uma boate noturna, do estreito. Pediu para ficar, ela aceitou. Desde que ele só usasse cueca sem brasão; não disse, mas aquele enfeite lhe tirava o tesão. Agora, assistiam o matiz crepuscular do entardecer, comiam e se comiam, e dali mesmo Romildo descia pro trabalho. Sem medo de serem felizes.

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