Autor: Jairo Ferreira Machado
Chegou num só galope, enfurecido, já rodopiando o lanço sobre a cabeça e o tal, o coisa-ruim, notou e saiu em desembalada carreira, mas não adiantou, foi laçado pela cintura, deu sorte que não foi pelo pescoço, e ainda que tentasse se desvencilhar não conseguia, o delegado já o arrastava pelos caminhos, o cavalo apertado nas esporas, é hoje excomungado que lhe dou uma lição, espancar a mãe de seus filhos, a mulher que faz a sua comida, não tem perdão, pois foi assim que me contaram, então seu coisa-ruim, praga-de-sogra, selei o meu cavalo e vim, trouxe o meu 38 de cabo madrepérola, para o caso de não conseguir laçá-lo, deu azar desgraçado, seria melhor seis balaços no quengo, agora, vai penar, vamos conversar lá na cadeia, torça para que chegue lá, vivo, depois vou pendurá-lo pelos quibas, an, não sabe o que são quibas, são os colchões, pois é, vou pendurá-lo de cabeça pra baixo, feito morcego, nos hematomas arroxeados coloco sal grosso e vinagre, vai vê com quantos pescoções se bate numa mulher, coisa-ruim safado, beberrão, e levanta-se logo e corra atrás de nós, ou chega lá na cadeia já esfolado, em carne viva, há as ruas, os paralelepípedos pela frente e não pense que povo ou alguém vai se apiedar, e ainda que se apiede, vai apanhar de chibata, de chicote, de calabrote, de chute, de pescoção, de pé-no-saco, se é que os seus quibas, depois de eu dependurá-lo no teto, não arrebente e você caia de cara no chão e quebre o pescoço, seu desgraçado, lacaio, serão três coças por dia, o seu lombo ficará como um jirau, an, não sabe o que é jirau? é uma armação de madeira onde se debulha arroz chicoteando as touceiras maduras, seja, o seu lombo, isto mesmo, vai vê coisa-ruim o que é apanhar, e se inflamar o couro jogo creolina em cima para não dar bicheira, comida, não vai ganhar enquanto sua mulher estiver no hospital, vai apanhar na hora do almoço, dá janta e também na hora do café, assim, vai até esquecer a fome e lembrar dela, cabra-safado, e os meninos coitadinhos, vendo você espancá-la, pensando melhor, é mais certo que eu lhe arranque os dentes com um alicate enferrujado, para dar tétano, vai ver o demo em sua frente, an, não sabe o que é demo, é o diabo, o capeta, o lúcifer, sou eu, o próprio delegado dessa cidade, quem manda aqui, vai vê, este seu lombo vai ser um jirau, vou debulhar aí um arrozal, quinhentos sacos de arroz, pode urrar à vontade, o povo já sabe, está na hora da pancadaria, e eu bato de puxar o chicote para o couro vir junto e fazer um calombo maior, esfolar, uma semana de surra e vai sair daqui amuadinho, mansinho, boi-de-canga, nunca mais vai encostar a mão nela, olhe bem aqui nos meus olhos de demo, infeliz, presta a atenção, se sua mulher morrer, você vai junto, mas vai devagar, feito gato que comeu lagartixa e ficou envenenado, emagrecendo aos poucos, e vai estropiando as pernas e miando baixinho, até morrer seco, e se meus braços cansarem vou contratar alguém para bater, an, quem? quem dessa cidade que não quer dar umas bordoadas num coisa-ruim assim, vai sobrar candidato, vai faltar relho, já mandei buscar mais uns couros curtidos do açougue da cidade, reze seu peste, mas reze pra Deus, não sei se adianta, Deus não perdoa gente assim, até manda, olha aqui seu delegado de direito e dever, aperta na chibata, aí a gente já querendo mesmo bater, cumpre e põe mais força nos braços, e mesmo arriado desse jeito, vai lavar as latrinas da cadeia, o chão, as paredes, quero ver tudo limpinho, só você não toma banho enquanto a mulher não receber alta, e não vai trocar a roupa, a mulher está com os braços e bocas contundidos, de tentar se defender, não pode lavar nem passar, nem comer, você bateu sem pena, azar o seu, veio cair nas minhas mãos, mãos de demo, que também não têm pena, vai penar seu desgraçado, três coças por dia... até a sua mulher receber a alta do médico, se é que não o mato antes...
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