Autor: Jairo Ferreira Machado Ele se lembrava, em detalhes, do dia em que foi lá, na casa dela, pela primeira vez. Na chegada havia uma porteira fechada de frente para a varanda, e uma escada onde subiu – em pensamento – e a abraçou e beijou-lhe a boca com o ímpeto de um aprendiz. Ela ainda jovem, virgem de tudo. Apertou-a contra o peito, amassando aqueles peitinhos nascituros, mas cheios de malícia. Sua língua desvirginava aquela boca, emudecendo a voz que lhe vinha de dentro, como se ela quisesse dizer não; mas já era tarde. Que nada! Foi somente um momento de alucinação! Subiu na porteira e gritou pelo irmão dela, mas quem veio foi o cão – um enorme de um cão preto de dentes brancos e afiados – decerto, foi obra do “cunhado” para o cão mordê-lo com mais força, quando ele viesse ali. O cão rosnava e pulava tentando alcançar suas pernas, enquanto o irmão dela ria, gritando lá da varanda, pro cão sossegar. E toda aquela imaginação anterior foi água abaixo, num segundo; desestimulado, o cão recolheu-se a sua preguiça, debaixo da varanda. Ele subiu a escadaria, e logo o “cunhado” trouxe um copo d’água, para aplacar-lhe o assustado coração; ainda o desgraçado ria – lá no pensamento, dizendo –, tudo na vida tem seu custo, seu moço, mais caro ainda, é o amor. Ao menos, graças a Deus, ela não tinha visto! Sentou-se. Era um banco grande, onde se sentiu pequeno, naquele momento. O coração, agora, também lhe batia pequeno. Ouviu risos lá dentro, no quarto, e a porta do guarda-roupa se abriu – decerto, ela estava se olhando no espelho –, ou procurando roupas mais adequadas para se vestir. Era um domingo. E domingo, tem jeito de preguiça. Agora, o cão de dentes afiados, dormia debaixo da varanda; tanto estardalhaço à toa, pensou. As galinhas descansavam sob o pé de carambola, carregado de flores purpúreas. A laranja baia quase no ponto da colheita, mais dourada onde o sol castigava com mais intensidade. O coleirinha gorjeava próximo ao ninho, no pé de murta. A porta do guarda-roupa se fechou. Ouviu passos e o seu coração disparou novamente. Ela veio – com o sorrisinho de malícia – e se encostou ao batente da porta, disse oi, e seu coração se alegrou, da coragem dela. Nos lábios, os traços de batom. As maçãs do rosto, rosadas; e seu coração se encheu de luz. O irmão disse qualquer coisa – que sequer ouviu – e se foi; também, caso fosse coisa importante, não ouviria: estava noutro mundo! Ela puxou a saia, timidamente, e se sentou; longe, muito longe, na outra ponta do banco; mas não tão longe de quando à via, lá do caminho, brincado de maré no terreiro da casa; as flores do flamboyant, colorindo o chão, de um vermelho grená. – O valente quase lhe pegou, ela disse, puxando assunto e a roda da saia para entre-lhe as coxas. Ele franziu os cenhos – diabos!, ela tinha visto. Um mar de sangue vermelho formava ondas no seu rosto – que papelão! Sorriu, tentando disfarçar a vergonha; como fosse de direito: era a primeira vez que ia ali, na casa dela. Ele me contava quase que se desculpando, daquele dia, daquele papelão. Tomou mais uma golada de pinga. – O valente faz isso com todo mundo, ela disse – suavizando as próprias palavras – ele já será seu amigo, da próxima vez. Nem sairá de debaixo da varanda, vai vê! –, e ele consentiu com o sorriso no rosto, animado. Ela dissera da próxima vez... Era primavera ou já quase verão; o terreiro estava coberto de flores de Flamboyant. Domingos depois ela vestia um vestidinho de seda, sobre a pela morena e macia. O tecido desenhava todas as curvas do seu corpinho recém completado, quatorze anos. Caminhavam pelo terreiro de mãos dadas, e o valente sequer levantou a cabeça; continuou dormindo, sob a varanda; como ela mesma dissera. A caramboleira tinha os galhos arriados ao chão, de tanta fruta; encontraram uma brecha entre os galhos para pegar algumas carambolas das boas, ela disse, ou não era pra isso – debaixo do pé, ninguém os poderia ver – e ele gostou da idéia. Logo ele a circundou com os braços, num terno abraço – desta feita, de verdade –, e desvirginou aquela boca, ácida de carambola e cio. Já ia também meter a mão entre-lhes as coxas, mas eis que... – Êpa! Para por aí, seu moço, senão eu chamo o valente. Era o irmão dela – empoleirado na caramboleira – já, prevendo que seria ali, o esconderijo dos dois. E se tinha algo já querendo crescer entre-lhe as pernas, minguou-se, no ato, ele disse! Aí então, damos gargalhadas. Pedimos mais uma pinga, pois que, depois daquele caso, ainda ele teria muitos outros pra se lembrar, dos velhos tempos.
Sob o Pé de Carambola
Atualizado: 19 de mai.
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