Autor: Jairo Ferreira Machado
Anoitecia, ela puxou a saia e sentou-se à beira do açude. Coaxava ali uma sapa enchendo e esvaziando o ventre no alicio do macho para a sua particular banheira de espuma, era uma aguinha de nada. Notou o macho achegar-se e logo depois, em núpcias, abraçar-se à fêmea.
Voavam em volta os mil pirilampos com seus tremeluzires próprios num brinquedo de esconde-esconde com os seus olhos. Presentemente também uma paquinha cheia de pernas nadava nervosa sobre as águas entremeio ao capim-colchão na pressa de comer, sabe-se lá o que...
Uma baratinha d’água, um inseto voejante caído lá, um grilo vindo de um voo errante, ou um microorganismo qualquer, coisas que somente a noite trás consigo e as estrelas bem as conhece, e que ela, a sitiante, gostaria de também presenciar.
Não bastava imaginar tudo aquilo enquanto deitada no conforto de sua cama ouvindo as muitas vozes da noite, os seus encantos, lá, além, no açude, como se de repente um mundo ignoto, incógnito, ressurgisse do nada e quisesse encantar aos seus ouvidos. E encantava.
Ou não só isso, a noite quisesse também se manifestar, mostrar-se plena, a estrela cadente vindo se aninhar, na terra, de vez em quanto.
Somente que a estrela trocava de lugar com sua intenção pessoal, dela, terrena moradora do lugar, a intenção, repito, de estar lá no céu, um dia, e caminhar entre as estrelas; por enquanto, só em pensamento.
Tem muito ainda a viver e vivenciar aqui na terra!
Não precisa ir tão distante, há um mundo maravilhoso ao seu redor, inda que o céu, que nunca deixaria de ser o céu - tanto quando se arrumando pra chover quanto se mostrando à noite - e aquilo fosse maravilhoso de se notar e sentir.
Sentada ao redor do açude, podia vivenciar as mil coisas, miudezas, grandezas, inexplicáveis dessa vida. Roncava mais forte, longe, o sapo boi, em ensurdecedoras ufanias. A cobra serpenteava a sua malícia entre as taboas, em si mesma ofuscada, a procura de um calor que se mexesse; não precisava mais que isso, e vaput... Mundo cruel!
Agora, o choro triste da rã, minguando-se a cada momento, os seus últimos ais na boca da serpente. Nem tudo é bonito, dizia a si mesma, inda que a vida requeresse tais sacrifícios. Vez em quando um pulo e as águas se moviam desenhando círculos, aqui, acolá, eram os aquáticos saboreando suas migalhas, senhores do lugar.
Também a lua-cheia se banhava ali, uma no céu, outra imersa, refletida como quem quisesse estar se banhando, solicita, clareando o inteiro da escuridão.
O frango d’água, agora, dormia a sua suntuosidade, seria o primeiro a acordar e a catar os insetos derrubados pela aragem noturna que a própria lua os fizera crer ser ela uma imensa lâmpada aquecida, aonde aqueles, os insetos, iam e vinham se deleitar e se bater num frenesi incontido e ali mesmo ficavam. Quando então...
Num repente uma ariranha avança na intenção de saciar a fome, os olhos duendes, como vaga-lumes entremeios à vegetação, fugidia, deixando navegar pelas trilhas o brilho da pelagem e logo se afundar nas águas, que essas se abriam num traçado de pequenas ondas se abrindo - como se lhe seguisse um cortejo - até que a afortunada chegasse à margem oposta.
Quando atento, o quero-quero - que até então parecia dormir - fazia alaridos alertando as traíras e outros aquáticos que vinham banquetear-se à superfície do lago, dizendo-lhes do perigo iminente.
Longe, um cão acuava. E não era cio. Mas um dizer-se como diziam todas as vozes da noite: há vida aqui fora. Pois que, a noite não dormia.
Existem os forasteiros noturnos, os salteadores que sequer ela, a sitiante, os via na claridade do dia. Que enquanto dormia há um acontecimento, um evento que se chama vida, tão chama e bela quanto àquelas que a luz solar advoga pra si, já no alvorecer.
Escuta ainda as narcejas rasgando o véu noturno num voo nupcial, e longe no caminho, pia o bacurau, e próximo, na matinha, num oco de pau, crocita a coruja. A inteira sinfonia. As mil vozes noturnas, ao norte, ao sul, no céu, na terra, no açude: vozeios retumbantes, embalando o seu sono, o seu sonho moradia...
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