Um Encontro Nas Águas de São Pedro

Autor: Lígia Maria Knabben Becker

Um peregrino quando escolhe seu caminho, vai!

Imagine a força de quarenta e três buscadores ao decidirem viajar para o Encontro Nacional de Peregrinos, neste anno domini de 2012, de 28 de Abril a 1 de Maio, a realizar-se em Águas de São Pedro, São Paulo.

O busão dos catarinas sob a batuta do Capitão Ferreira e o olhar atento do Rudicoruja Presidente da ACACSC e sua Anazen, parte do Trapiche da Beiramar da Ilha da Magia no final de uma tarde de outono, linda de se ver.

Depois de arrebanhar todos os viajores pelo caminho, completo, o busão segue, alegre e cheio de expectativas. Petiscos saborosos e fresquinhos pularam da cozinha, das delicadas mãos da rodomoça Zelinha e do incansável Capitão. Bebidas, água, (também aquela que passarinho não bebe), cuidados, cantorias mahanoelinas, ai, que lindeza de viagem! Não faltou oração de bom agouro e proteção. E até travesseiros pelo ar!

Uma paradinha aqui e outra acolá para as fatídicas questões da corporeidade humana, e, pela manhã, prontinho, já o grupo voava pela pracinha da adorável cidadezinha das quentinhas e sulfurosas Águas de São Pedro, de quase três mil habitantes, índice zero de mortalidade infantil e de criminalidade, com previsão de vida até aos 90 anos.

No hotel, acomodações feitas, um gostoso e farto café da manhã aguardava os viajantes à mesa. Apenas algumas quadras a pé pela rua principal (e única) separavam os recém-chegados da sede do Encontro. Cartazes de boas vindas abraçavam os visitantes. Credenciamento feito, crachá, camiseta, tudo arrumado na sacolinha de pano, fotos na pracinha e todos rumaram à caminhada na Nuvem. Este era o nome do lugar onde se iniciava uma breve andança por um pedacinho do Caminho do Sol. Porque há muito sol, a magnífica árvore é a “nuvem” do Caminho!

Ainda na praça, a homenagem do holista Mino, a cantar sobre a experiência espiritual do Caminho de Santiago e seus sábios dizeres “não faça de sua vida um rascunho pois não terá tempo de passar a limpo” e “se você não mudar nada, nada muda, MUDE AGORA!”

De ônibus fomos até às nuvens debaixo da sombra verde e do fartíssimo lanche que recepcionou e reuniu peregrinos com seus estômagos sempre a postos.

Com leve mormaço percorremos a caminhada de abertura com pouco mais de oito quilômetros entre canaviais, paisagem um tanto diferente aos manezinhos de Florianópolis, gaúchos, crisciumenses, camboriuenses (é assim que se diz?) e blumenauenses. Vários pontos onde havia queimação de lixo intrigaram algumas mentes reflexivas. Por que seria? A resposta veio com o guia turístico do trem-tigrão que anda pela cidade e arredores: como os lençóis de água da cidade são muito superficiais, o lixo da cidade tem que ser incinerado. Por isso é que lá não há cemitérios também, os mortos são enterrados em São Pedro, a vinte quilômetros dali.

À volta para o hotel português nos esperava Dona Mariana, com comidinha de mãe, caseira e saborosa. Tarde livre com tempo para o banho relaxante com leite e pétalas de rosas na Estância Hidromineral aberta ao público da cidade, já que a maioria dos hotéis possuem seus spas com as águas sulfurosas apenas para os hóspedes. Cafezinho expresso na livraria-sebo, algumas comprinhas na fartura de doces de leite, marmeladas-cascão, artesanatos, etc e tal. Missa dos peregrinos na Igreja Nossa Senhora da Imaculada Conceição às cinco horas com Monsenhor Getúlio (é peregrino também), Coral cantando músicas que incluiu aquela do Caminho do Sol que emociona todo caminhante. Depois do jantar com postre de arroz con leche, rumamos à abertura do Evento com passagem pelo Coreto da cidade, seus músicos e cantores. Linda tradição de cidade do interior! A chegada ao Centro de Convenções da Prefeitura de Águas de São Pedro, escolhido para o ENAP foi de arrepiar com o saxofonista espalhando os sons de My Way (Meu Caminho) aos ouvidos e corações visitantes. A sessão solene de abertura contou com uma enorme mesa onde convidados, autoridades e representantes das Associações participantes tiveram assento e voz .O Presidente do Encontro, Antoin Khalil referiu-se ao trabalho de formigas com mais de um ano para a organização do evento, a comemoração do Sexto ENAP e os Dez anos do Caminho do Sol, com o seu idealizador José Palma.

Desejou que nos sentíssemos água-pedrenses e a ACACSP conferiu o título de cidade irmã à Molina Seca, em lei decretada naquela noite com objetivo de promover intercâmbios culturais, gastronômicos e outros. O Presidente reforçou o lema do Evento: Peregrinando o Caminho vive! Muitas falas dos demais participantes, vídeos, homenagens, agradecimentos e poesia de Fernando Pessoa para encerrar. O motivador Rafael apresentou seu trabalho interessante (apesar de longo), ao deixar várias participantes totalmente sob seu controle na técnica da hipnose.

Dia seguinte, extensa e proveitosíssima agenda de palestras:”Espiritualidade do ou no Caminho de Santiago”, com Monsenhor Getúlio Vieira; “Apresentação da Universidade de Santiago”, com Carmem Ollero; “1200 anos de motivações para se percorrer o Caminho de Santiago de Compostela”, Manuel Rodríguez; Documentário “The Camino Documentary”, de Lydia Smith; foto oficial do VI ENAP, com camiseta; “O fenômeno Brasil no Caminho de Santiago” com Acácio Paz; “Os ciclos históricos da peregrinação: o Caminho hoje” com Clinete Lacativa; “A peregrinação pelo caminho da vida” com Anna Sharp; mesa redonda: “SOS Caminho de Santiago” e atividades culturais depois do jantar: exposição do filme The Way e Danças Circulares.

Bem divertida a oficina das Danças Circulares. E o pagode fora do Evento, bem próximo ao hotel idem! Rolou até tarde. Haja fôlego! E jingado!

Mais um dia de Evento, iniciando com a caminhada urbana do Bosque até a Casa de Santiago, antigo horto da cidade, cedido pela Prefeitura a José Palma, que o transformou em lugar para acolher peregrinos do Caminho do Sol, antes e depois das caminhadas. Sossego, paz, beleza, acolhimento e simplicidade no toque do sino, na vieira do chão, nas imagens de São Francisco e São Tiago, na cruz pendente, no canto dos pássaros, no verde exuberante, nas fontes, bancos, música, pedras, enfim, um caminho. Especial. Forte!

Palestras novamente, inclusive a Volta à Ilha pelo peregrino José Luiz Ferreira.

Apresentação dos Caminhos dos Anjos(MG), da Fé(SP), da Bahia(BA), Lagunar(AL), das Missões(RS), do Sol(SP), Caminho Francês, Caminho Português, Via Francígena e Caminho Shikoku (Japão) com direito a foto com a roupa peregrina tradicional japonesa. Impressionou.

Depois do jantar, atividades culturais com documentário e Danças Circulares. A demorada reunião com os participantes das Associações trouxe a notícia mais esperada: o próximo encontro nacional de peregrinos será em MACEIÓ, em 2014.

E chega o dia final, com Caminhada Urbana até o Apiário, resultados dos concursos de fotografias e da exposição de capas e títulos de livros, sorteio da passagem à Espanha, encerramento e almoço de confraternização, no próprio Centro de Convenções. Tudo uma beleza! De organização e irmandade entre os participantes, muitos. Bom de se testemunhar como participante. Prêmios foram distribuídos e a turma do busão ferrerino levou muitos deles. Eta turminha de sorte!

Despedidas, e nós de novo no busão rumo à terrinha! Festa novamente. Perguntas e respostas, contação de “causos”, tudinho lotado de presentes aos acertadores, mimos providenciados pela ajudante-mor ferrerinarúbia.

O silêncio foi chegando devagarinho com a indolência calando conversas e aquietando os corações peregrinos, agora na escolha unânime do caminho de volta pra casa. Em segurança e em paz! Com o dizer do peregrino professor Matsuoka ressoando internamente, feito o sino da Glória: caminhar sempre com kokoro! (alma, coração).