Vale do Pati

 

Jairo Ferreira Machado

Teria de voltar aos bancos da escola e aos livros de geografia e geologia para melhor fazê-los entender. Prefiro, no entanto, escrever as minúcias, mesmo por que o Vale do Pati (na Chapada Diamantina – Bahia) tem a sua particularidade. Sem palavras. Bastam-nos às trilhas e nelas a luz dos seixos reluzindo em nossos olhos que vão à procura de algum esquecido diamante por ali, os ouvidos atentos aos estridentes gorjeios saídos das gargantas das arapongas e nos cumes das árvores a melodia dos melros, os trinados dos trinca-ferros, o arrulho das juritis. Nossas botas rangendo o chão, os torrões, os escorregões, como quem cai para maior se levantar, sem se dar por vencido. O fascínio dá o tom à jornada: sobe, desce, desce, sobe. Um flash, dois, e os pássaros se dão ao luxo de mais tarde saírem nas páginas do facebook…

Nada igual ao Vale do Pati. Os regatos, as ribeiras, o murmúrio das cachoeiras, os calangos se banhando ao sol. A água ferrugenta, inda que límpida correndo por sobre e entre as lajes. Vão como enxurradas, onde alguns companheiros se atiram, apaziguando o calor do sol ardente, outros se entretêm soltos sobre as rochas, misturando-se aos calangos. As mochilas estendidas sobre as pedras e pedregulhos. Os pés descalços. O lanche, meticulosamente cuidado pelas mãos dos guias, sobre a toalha estendida. Hora de se alimentar. Hora de descanso.

Novamente, mochilas às costas. À frente, o vale. Cerceados pela linguagem e grandeza das árvores vamos entrando, sem pedir licença, esquecidos de que nada naquilo nos pertence. São dádivas divinas (alguns preferem dizer, da natureza) que o arquiteto maior escreveu, desenhou e deu-lhes vida própria. Estamos apenas de passagem. Os seixos (mais seixos se fazem), a cada pisada nossa, como ourives lapidando diamantes. Quem sabe pisamos alguns, sem saber que aqueles eram verdadeiros diamantes. Mas o ensejo maior, no entanto, era sermos lapidados pela beleza inesquecível do Vale do Pati.

As pousadas de chão batido, as aranhas passeando por ali, donas do lugar. Os fogões de lenha, as brasas, a fumaça escapulindo pela chaminé, o calor das bem-aventuradas donas das pousadas. A chegada. O banho-frio. Roupas estendidas no varal. Os pássaros, muitos desconhecidos (também nós desconhecidos deles), assim mesmo gorjeavam nos dando boas-vindas. O jantar quentinho, o paladar dos deuses. Quem sabe uma cachaça! As botas por ali, descansando da lida, enquanto algum de nós curava as próprias feridas…

Próximas, muito próximas, as placas tectônicas como uma montanha medieval, rochas sobre rochas, alguns pontos escondidos pela vegetação, as lacunas alegóricas, para melhor encantarem o nosso olhar. Nuvens brancas, devagar, passeando no azul celestial. Anoitecia e o céu mostrava a sua intensa luminosidade, cometas indo devagar, ao longe, corpos celestes, constelações colidindo em nossos olhos. De manhã, a alvura de uma neblina parcialmente cobrindo as montanhas, retardando a chegada da luz do sol. Como se nada ali tivesse pressa. E tampouco apressávamos a saída para outra trilha, a procura de outras pousadas e mais aventuras. E já íamos com saudades.

A litosfera como um domínio surdo, onde os melros se aninham, enquanto o cantarolar das saíras (de todas as cores) formam um mimetismo de pássaros, folhas, flores e frutos. Alado, o murmúrio do riacho. O gavião de penacho, a gralha-cancã enciumada, os beija-flores, os tico-ticos. Então, sobremaneira, íamos à fileira, mochilas às costas, costeando o aguaceiro, o olfato alerta as flores silvestres. Canta um pássaro aqui outro acolá, e já uma câmera se apronta, um flash, um registro… Esse é o Vale do Pati. À frente, o místico guia, com sua sabedoria. Na retaguarda, paciente, cuidava-nos outro guia. Sobe, desce, desce, sobe, um olhar, um encanto, um canto. Para nunca se esquecer.