XVIII Caminho da Ilha

Angélica Bodendorfer

Deu um friozinho nas entranhas quando decidi fazer o Caminho da Ilha de Florianópolis. Oito dias num sobe morro, desce morro, areia fofa, asfalto, paus e pedras. Se os informes meteorológicos estivessem certos, haveria chuva. Não pouca. Mas, de uma coisa estava certa, o cenário seria deslumbrante. E o grupo? Sabia que eram caminhantes de longa data. Gente forte e guerreira! Personagens de muitos caminhos de “Santiago” pelo Brasil e pelo mundo afora. Será que daria conta?
Na data marcada para o primeiro encontro do grupo, cheguei tímida. Procurei um cantinho discreto. Optei por não consumir bebida forte. Tipo aquela que deixa a gente ligeiramente alterda, pois não sabia ao certo o que me esperava no dia seguinte. Também não exagerei na pizza. Aos poucos o encontro se tornou ruidoso e animado. Era um tal de se identificar como “Norte” ou “Sul”. Tudo com o sotaque bem carcterístico falado na Ilha. Até troquei umas palavrinhas. Tudo certo para iniciar a grande volta.
Debaixo da Velha Figueira, a festa foi grande e os votos de boa caminhada abundantes. Algumas orações e recomendações depois, segui rumo ao Norte com minha mochila vermelha. Gavião liderando o grupo e Andorinha fechando a fila. E, exatamente com esta formação, seguiram-se os oito dias.
Como em todos os caminhos da minha humilde existência, vivi momentos de pura alegria que me fizeram suspirar e de puro perrengue que derrubaram o meu humor até a unha do pé. Caminhar em asfalto é desgatante para os pés, os ouvidos e os nervos. Muitas vezes o calor me fez tontear, minando a vontade de continuar subindo e ansiando pela descida mais do que deveria. O mato bravo varando a canela. A pedra que insistia em judiar o meu tornozelo. E a chuva? Pense numa ojeriza diante de uma bota úmida e roupa molhada abraçada ao corpo. Chegar cansada e descobrir-me com três companheiras, que nunca tinha visto na vida, num quartinho apertado. E, somando-se a isso, ser obrigada a arrumar minha cama. No beliche de cima. Secar a roupa em um varal improvisado com os bastões. Negociar a vez no banho.
Entretanto, perrengues fora, como não me encantar diante da bela Ponte Hercílio Luz e perguntar “será que agora inugura?”. Ou, prostrar-me comovida diante de um ipê roxo vergado de tanta flor. Olhar o mar azul e sentir a imensidão que segue além do horizonte. Na subida dos costões, buscar incansavelmente o mirante que oferece o melhor espetáculo daquela praia famosa, com sua areia branca e mar calmo. Ou, aguardar, com infinita paciência, a onda mais que perfeita dirigindo-se em um estrondo mortal nos rochedos à frente. Observar o recorte elegante das lagos em meio à vegetação verde-escuro. Dedicar-me a observar a arquitetura e desenhar um passado histórico em cada lugarejo. Buscar a orquídea mais deslumbrante para aquela fotografia irretocável. Sentir o sol queimar a pele e a brisa fresca e suave tocar o corpo, diminuindo a sensação do calor sufocante. Descobrir que o vento secou a roupa molhada grudada em meu corpo. Deitar na relva e apreciar a copa de uma árvore contra o céu azul. Ouvir o canto do pássaro que não se assustou com a minha espaçosa presença. Chegar ao fim da jornada e descobrir que não foi tão difícil assim. Deliciar-se com um trago de cachaça, ou com uma ostra gratinada, um peixe grelhado. O que dizer do gole de cerveja, mesmo a de qualidade duvidosa, e que desce mais redondo do que nunca.
O Caminho da Ilha foi um encontro comigo mesma. Mas, também um encontro com as lindas paisagens da Ilha, com os seus importantes momentos históricos, com a sua saborosa e farta culinária, mas, principalmente, com a sua gente. Entre rodas de conversa, taças de vinho, roupas secando nos bastões e pores de sol, foi possível conhecer um pouco de cada companheiro do caminho. Suas dores e seus amores. Suas alegrias e tristezas. Seus sonhos e realizações. Suas preferências e aversões. Ao estender a mão para superar um obstáculo do caminho, deu um pouco de si para o conforto e sucesso do outro. Ao andar no ritmo do companheiro, mostrou que juntos somos mais fortes e estamos mais seguros. Ao oferecer um copo de cerveja, valorizou o compartilhar e a presença do outro. E são esses encontros que me trazem a certeza de que estamos nesta jornada para nos tornarmos seres humanos melhores a cada dia.
Obrigada a todos que compartilharam este caminho comigo. Que venham muitos outros caminhos para nos engrandecer e nos colocar diante da beleza que é o Caminho da Ilha de Florianópolis.