Página 93 - Olhar Peregrino paginadaOK4

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de três etapas z duas, para avançarmais rápido, pois quantomais
ao sul, menos informação, sinalização e albergues se encontra.
Na décima etapa, chega-se à primeira cidade de certo
porte: Mérida, que foi fundada pelo imperador Augusto e ainda
conservamonumentos construídos pelos romanos.
Na etapa seguinte - Alcuéscar -, há um excelente albergue
na Casa de Misericórdia, mantida pela Congregação de Escravos
deMaria e dos Pobres. Faço o registro porque é umambiente exige
do visitante uma postura de aceitação daqueles que representam
os abandonados de todos os tipos, pessoas que até mesmo as
famílias fazem questão de esquecer. E ali estava eu dando o
primeiro passo portão adentro, sendo recebido por um ancião
cadeirante que me deu um sorriso sem dentes e mal moveu a mão
quase paralítica para indicar-me a recepção. Ainda no pátio, veio
ao meu encontro um rapaz de braços abertos, suplicando por um
abraço. Era Juan, interno desde menino. Ele levou-me até a
recepção e tocou a sineta para sinalizar ao hospitaleiro que um
novo peregrino havia chegado. Voltei a vê-lo quando estendia
minhas roupas no varal. Novamente de braços abertos, Juan
pediu-me um abraço. Um dos Escravos de Maria tentou impedi-
lo, chamando-o. Como viu que eu retribuía ao abraço do rapaz,
sorriu. Juan de novo, na missa: era ele quem indicava ao sacerdote
quais dos internos pediam para comungar. Era outro, na igreja,
como acólito. Estava feliz na função. Inocente, prestativo e carente
Juan! Uma criança em corpo de homem. O lema da Casa de
Misericórdia: “Oamor cura”.
A caminho de Cáceres, eu andava com Pietro, italiano, e
David, inglês, e pela primeira vez vimos um miliário. Trata-se de
uma coluna de pedra coma qual os romanosmarcavama estrada a
cadamil passos. Daí, miliarium. Sempre que estesmarcos estavam
num cruzamento de estradas, transformavam-se, também, em
correio: a coluna tinha um recorte retangular oco no qual eram
depositadas as cartas. Se alguém ia para o sul, levava consigo as
cartas para este destino, deixando outras, que deveriam seguir
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Inácio Stoffel