Um Sábado Bom Demais!

25 de outubro de 2014

Inácio Stoffel

A previsão de chuva falhou. Sorte nossa: o tempo nublado tornou ideal nossa Caminhada Cultural no Centro de Florianópolis, iniciada junto ao Forte Santa Bárbara. Sabe onde é? Não? Pois é, perdeu o passeio guiado pelas manézinhas Nerivalda e Isabel.

O Forte Santa Bárbara de há muito é propriedade da Marinha do Brasil e está sendo preparado para tornar-se um museu. Foi construído para garantir a defesa da vila do Desterro sobre uma ilha rochosa, cujo entorno foi aterrado, assim como toda a vasta área do Aterro da Baía Sul. E já ali Nerivalda mostrou seus dotes artísticos, cantando uma canção por ela criada em que relata a história do Forte. Começamos bem, foi a impressão geral.

Passamos pelo museu Victor Meirelles de Lima, artista nascido na pequena cidade de Nossa Senhora do Desterro, em 1832, e um dos maiores pintores brasileiros. Sua obra mais conhecida é a “Primeira Missa no Brasil”. O museu abriga um acervo permanente do artista, filho de imigrantes portugueses e gênio precoce e tem uma boa programação cultural.

Você sabia que o riacho que corre no meio da hoje Rua Hercílio Luz era usado por lavadeiras para lavar a roupa dos patrões? Na década de 1920, obras de urbanização e saneamento canalizaram o riacho, hoje coberto com um passeio público e ciclovia. Nerivalda disse isso em versos de sua autoria. Quer mais? Isabel nos incentivou a participar de brincadeiras hoje esquecidas: bilboquê, pé de lata, corda, peteca. Por bom comportamento (infantil), recebemos um pacotinho de amendoim açucarado. Bom, né?

Aí subimos pela Rua do Vigário até a Igreja Matriz. Rua do Vigário? Igreja Matriz? Placas de rua em cor marrom têm indicações históricas: não apenas o nome atual, mas também, o nome original e são comuns no centro da cidade. É só prestar atenção, disseram as guias. Assim Rua do Vigário é a atual Rua Fernando Machado. E Rua dos Ilhéus, por que este nome? É porque lá estavam os albergues que recebiam os imigrantes vindos das ilhas dos Açores, onde ficavam em quarentena até que fosse decidido seu destino.

A Igreja Matriz começou como capela, em 1675, por obra do bandeirante Francisco Dias Velho, fundador da vila de Nossa Senhora do Desterro. A partir de então, várias ampliações resultaram na hoje Catedral Metropolitana, sua obra mais artística é “Fuga para o Egito”, do escultor tirolês Demetz Groeden, que retrata a Sagrada Família em tamanho natural. Lembrou a procissão do Senhor Jesus dos Passos cujo Cristo está na Capela Menino Deus do Hospital de Caridade que tem, também, sua grande história.

E ali, em frente à Catedral, participamos de uma cantoria de “Ratoeira”, dança de roda embalada por versos de improviso. Amor, desafio, ironia, cobrança, eram muitos os temas explorados, mas sempre o mesmo refrão: “Meu galho de malva, meu manjericão, dá três pancadinhas no meu coração”. As guias cantavam os versos e nós o refrão. Um pouco melhor ensaiado, nosso coral faria sucesso!

É verdade que as guias pouco falaram do Palácio Cruz e Souza. Falaram mais do poeta abolicionista, filho de escravos alforriados, cuja obra é distribuída gratuitamente pela Biblioteca Pública da cidade. Mas a razão de falar deste grande poeta negro foi introduzir a apresentação da Igreja do Rosário, construída por escravos para escravos, uma vez que lhes era proibido frequentar a Igreja Matriz de seus senhores. Ironicamente, quando a Matriz entrava em reforma, os escravos tinham de ceder sua igreja, sem direito a usá-la nesses períodos. Uma página vergonhosa em nossa História.

Toda mercadoria vinda de outros países ou de outras províncias passava pela Alfândega, cujo prédio hoje serve à exposição e comercialização de artesanato. Já o Mercado Público, foi construído em duas etapas: a primeira ala foi construída entre 1896 e 1899, a segunda somente entre 1928 e 1931, bem como as torres e as pontes que as interligam. Foi por muitos anos o principal polo comercial da capital.

Demolido em 1974 para dar espaço ao aterro da Baía Sul, o Miramar era um ponto de encontro e lazer dos moradores. Foi edificado em 1925 por obra de Mauro Moura, como um trapiche de acesso às balsas que faziam a travessia para o Continente. Em 1928 inaugurou-se o Bar Miramar, que lhe deu um charme todo especial. Hoje só há uma réplica da fachada e das pilastras de sustentação. Quem sabe um dia…

Última etapa da Caminhada: Praça XV de Novembro, com sua bela figueira. Fazendo renda – mais uma das artes de Nerivalda – e ditando seus versos contou-nos que antes de haver ali uma praça, era um alagado infestado de insetos. É preciso lembrar que o mar chegava muito próximo do local. Desde a fundação da vila e a construção da primeira capela, foi a partir dali que a cidade começou a expandir-se. Nada mais certo que ali fazer uma praça, logo transformada em local de piqueniques domingueiros pelas famílias, no final do século XIX. A praça é formada de palmeiras imperiais, ficus indianos e cravos da Índia, mas com certeza a maior atração é a figueira centenária, cantada em prosa e verso e motivo de superstições, como a de contorná-la três vezes para atrair casamento ou fortuna. Sua pavimentação em petit pavê reproduz motivos do folclore ilhéu desenhados pelo artista plástico Hassis.

Por fim, entoamos o “Rancho de Amor à Ilha”, nos movimentando em círculo ao sabor do ritmo e dos versos do poeta Cláudio Alvim Barbosa, o Zininho. Um gran finale, sem dúvida. Finale?

Não ainda. Continuando nossa confraternização, fomos à Kibelândia, um tradicional restaurante árabe para petiscar e tomar chope. Um sábado bom demais!

Nosso muito obrigado às guias Nerivalda e Isabel. Valeu!


Fotos: Catarina Maria Rüdiger

Detalhes do Evento